Thursday, November 1, 2007

Outra vez o meu cão

O meu cão é o tinteiro
Da minha inspiração
Ele arfa, ele é porreiro
Pudera é o meu cão.

E ladra e ladra

De dia, de noite e de madruga
Tanto lhe faz

Ele ladra ele fareja
Não vejo cão que se veja
Ser um tão nobre animal.
(Fareja bem, mas houve mal).

Será?
É o que adiante se verá.

O meu cão está sempre alerta
E às vezes desconcerta
Quando sente o meu odor.

Antes de entrar no elevador
Quase a abrir, da porta a casa,
Sente que estou a chegar

E ladra e ladra

E se extravasa
Quando chego à porta de casa
Do quinto andar

De dia, de noite, ou de madruga
Tanto lhe faz.

E ladra e ladra...

Quanto a odores é presciente
Mal sente, ou pressente,
Começa a ladrar
Nós humanos
Oramos assim ao conversar
Quando ao telefone em alta voz
Falamos.
Os cães são como nós.
Mas a muitos de nós
Falta na essência
A presciência
E ao dialogar
Tantas vezes são

As que, também em voz alta, como o cão
falamos simplesmente a sós.

Mas o meu cão, quando pressente, “záz”
Ladra e ladra
De dia, de noite, ou de madruga
Tanto lhe faz

O meu cão é como um stradivárius
É um desses animais extraordinários
Que numa pauta inteira
É capaz de distinguir um lá de um si bemol
Numa colcheia, ou numa clave de sol
Tudo numa brincadeira.
De cauda contente a abanar
Porreira

Tem o dom de me encantar

Tudo isto sem saber de música (afinal sem saber de nada)
Tal como não sabe se é manhã, ou tarde, ou madrugada
Mas, qual tiranicida
Sabe que chego às horas certas para lhe dar a comida
Para lhe dar de jantar

E quando não
Ladra e ladra até lhe dar a ração

O meu cão é um verso
É uma noite estrelada
Que singelamente contém nos ouvidos e no faro todo o universo

Da forma, do fundo e às vezes também do nada

E ladra e ladra

De dia, de noite, ou de madruga
Tanto lhe faz

O meu cão é o tinteiro
Da minha inspiração
Ele arfa ele é porreiro
Pudera! É o meu cão

Que sorte ser dono deste cão.
Animal, irracional
E deste verso inspiração

Olho-o nos olhos castanhos
E vejo-o a conduzir rebanhos
D’um rebanho universal

Íris fulgente
Olhar resplandecente
E vida e alegria
Todo o dia

E ladra e ladra

De dia, de noite, e de madruga
Tanto lhe faz.
De cambulhada
Ladra e ladra e ladra e outra vez.
Ladra quando lhe apraz
Como se fosse um cão maltês.

Este molosso de que pode ser capaz?
Não sei, mas ele sabe muito bem o que faz.
Tem siso.
É cão de guarda, ou de aviso?
Não sei.
Mas ele sabe (mais do que eu), o que é preciso
E preciso é avisar
No quotidiano do lar
Assinalar
A altura em que é necessário ladrar.
Umas vezes porque sim
Outras porque não.
Tudo depende da ocasião
Ele tem tanto instinto
Quanto eu não.

O meu cão é o tinteiro
Da minha inspiração
Ele arfa, ele ladra ele é porreiro
Pudera é o meu cão.

No comments: