O meu cão é o tinteiro
Da minha inspiração
Ele arfa, ele é porreiro
Pudera é o meu cão.
E ladra e ladra
De dia, de noite e de madruga
Tanto lhe faz
Ele ladra ele fareja
Não vejo cão que se veja
Ser um tão nobre animal.
(Fareja bem, mas houve mal).
Será?
É o que adiante se verá.
O meu cão está sempre alerta
E às vezes desconcerta
Quando sente o meu odor.
Antes de entrar no elevador
Quase a abrir, da porta a casa,
Sente que estou a chegar
E ladra e ladra
E se extravasa
Quando chego à porta de casa
Do quinto andar
De dia, de noite, ou de madruga
Tanto lhe faz.
E ladra e ladra...
Quanto a odores é presciente
Mal sente, ou pressente,
Começa a ladrar
Nós humanos
Oramos assim ao conversar
Quando ao telefone em alta voz
Falamos.
Os cães são como nós.
Mas a muitos de nós
Falta na essência
A presciência
E ao dialogar
Tantas vezes são
As que, também em voz alta, como o cão
falamos simplesmente a sós.
Mas o meu cão, quando pressente, “záz”
Ladra e ladra
De dia, de noite, ou de madruga
Tanto lhe faz
O meu cão é como um stradivárius
É um desses animais extraordinários
Que numa pauta inteira
É capaz de distinguir um lá de um si bemol
Numa colcheia, ou numa clave de sol
Tudo numa brincadeira.
De cauda contente a abanar
Porreira
Tem o dom de me encantar
Tudo isto sem saber de música (afinal sem saber de nada)
Tal como não sabe se é manhã, ou tarde, ou madrugada
Mas, qual tiranicida
Sabe que chego às horas certas para lhe dar a comida
Para lhe dar de jantar
E quando não
Ladra e ladra até lhe dar a ração
O meu cão é um verso
É uma noite estrelada
Que singelamente contém nos ouvidos e no faro todo o universo
Da forma, do fundo e às vezes também do nada
E ladra e ladra
De dia, de noite, ou de madruga
Tanto lhe faz
O meu cão é o tinteiro
Da minha inspiração
Ele arfa ele é porreiro
Pudera! É o meu cão
Que sorte ser dono deste cão.
Animal, irracional
E deste verso inspiração
Olho-o nos olhos castanhos
E vejo-o a conduzir rebanhos
D’um rebanho universal
Íris fulgente
Olhar resplandecente
E vida e alegria
Todo o dia
E ladra e ladra
De dia, de noite, e de madruga
Tanto lhe faz.
De cambulhada
Ladra e ladra e ladra e outra vez.
Ladra quando lhe apraz
Como se fosse um cão maltês.
Este molosso de que pode ser capaz?
Não sei, mas ele sabe muito bem o que faz.
Tem siso.
É cão de guarda, ou de aviso?
Não sei.
Mas ele sabe (mais do que eu), o que é preciso
E preciso é avisar
No quotidiano do lar
Assinalar
A altura em que é necessário ladrar.
Umas vezes porque sim
Outras porque não.
Tudo depende da ocasião
Ele tem tanto instinto
Quanto eu não.
O meu cão é o tinteiro
Da minha inspiração
Ele arfa, ele ladra ele é porreiro
Pudera é o meu cão.
Thursday, November 1, 2007
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