Saturday, June 28, 2008

Aquilino Ribeiro



Quem ama a literatura e a língua portuguesa, não o esquece, nem o esquece o tempo. Desconhece-o quem faz da literatura uma moda, porque é mais bonito gostar de um qualquer escritor medíocre do que da Odisseia, por exemplo. Tem sido assim ao longo dos séculos. Só de pensar que Diogo Bernardes teve em vida um êxito retumbante enquanto Camões - um dos maiores poetas do mundo - era praticamente ignorado, faz-me entender melhor esses silêncios.(Este um comentário sobre Aquilino Ribeiro, sob o pseudónimo de Musas Esqueléticas em Setembro de 2004. Comentário interessante.

Era miúdo quando encontrei o Doutor Aquilino Ribeiro, pela primeira vezes na livraria dos Bichinhas em Moimenta da Beira (teria dez, ou onze anos). Ia com meu Pai, médico de partido, que o conhecia muito bem e desde longos tempos (creio que dos tempos de Coimbra). O senhor Dr. Aquilino, de cabelos brancos, fez-me uma festa na cabeça, disse qualquer coisa das que se dizem a crianças em tais circunstâncias como: então menino? e passou para outra. Tinha mais que conversar com meu Pai e os outros amigos da oposição que se reuniam em Moimenta da Beira para conspirar contra o Governo.
Meu irmão José Joaquim, antes de mim teve oportunidade de estar com ele em sua casa de Soutosa.
Meu irmão teve mais sorte do que eu nesse contexto. Era mais velho que eu doze anos anos e Aquilino Ribeiro dispensou-lhe muito mais atenção do que a mim. Acompanhando meu Pai jantou e almoçou com ele várias vezes (meu Pai ia a Soutosa frequentemente). Eram encontros políticos. Conspirações contra Salazar.
Eu tive apenas direito a uma festa no cabelo numa ocasião efémera.
- Deixa-nos conversar criança terá pensado Aquilino (e provavelmente também meu Pai).
E meu Pai, Aquilino Ribeiro, o doutor Ferro e o Melita (este dono do café da vila)conversavam e conspiravam enquanto eu pegava no último número do "Mundo de Aventuras" que meu Pai assinava para mim e o Senhor Bichinhas me entregava:- Toma lá dizia em voz alta numa frase interrompida, cujo resto seria na sua cabeça mais ou menos assim:- Não nos distraias de assuntos sérios. Vai entretem-te. Sai daqui lê que isto é conversa de gente crescida que não compreendes nem te interessa. Penso que meu Pai pensava o mesmo.
E eu maravilhado com o livrinho que o senhor Bichinhas me entregava saía da livraria sentava-me do lado de fora, no rebordo do passeio e mergulhava na leitura de banda desenhada do "major Alvega".
Criança que não sabia que nesse pequena livraria de uma ignota vila de Portugal se cogitava a mudança de Portugal.
Como me lembro tão mal de um tão grande escritor de Portugal?

Catulo da Paixão


Catulo da Paixão Cearense (São Luís do Maranhão, 8 de outubro de 1863 — Rio de Janeiro, 10 de maio de 1946) foi um teatrólogo, poeta, músico, compositor e cantor brasileiro.
Mudou-se para o Rio em 1880, aos 12 anos, com a família. Trabalhou como relojoeiro. Conheceu vários chorões da época, como Anacleto de Medeiros e Viriato Figueira da Silva, quando se iniciou na música. Integrado nos meios boêmicos da cidade, associou-se ao livreiro Pedro da Silva Quaresma, proprietário da Livraria do Povo, que passou a editar em folhetos de cordel o repertório de modinhas da época.
Catulo da Paixão Cearense passou a organizar coletâneas, entre elas O cantor fluminense e O cancioneiro popular, além de obras próprias. Vivia despreocupado, pois era boêmio, e morreu na pobreza.
Suas mais famosas composições são Luar do Sertão, de 1908, que na opinião de Pedro Lessa é o hino nacional do sertanejo brasileiro, e Flor amorosa (sem data). Também o responsável pela reabilitação do violão nos salões da alta sociedade carioca e pela reforma da ´modinha´. Esta biografia foi tirada da Wikipedia.

Caboca di Caxangá

Catulo da Paixão Cearense

Laurindo Punga, Chico Dunga, Zé Vicente
E esta gente tão valente
Do sertão de Jatobá,
E o danado do afamado Zeca Lima,
Tudo chora numa prima,
E tudo quer te traquejá.

Caboca di Caxangá,
Minha caboca, vem cá.

Queria ver se essa gente também sente
Tanto amor, como eu senti,
Quando eu te vi em Cariri!
Atravessava um regato no quartau
E escutava lá no mato
O canto triste do urutau.
Caboca, demônio mau,
Sou triste como o urutau!
Há muito tempo, lá nas moita das taquara,
Junto ao monte das coivara,
Eu não te vejo tu passá!
Todo os dia, inté a boca da noite,
Eu te canto uma toada
Lá debaixo do indaiá.
Vem cá, caboca, vem cá,
Rainha di Caxangá.
Na noite santa do Natal na encruzilhada,
Eu te esperei e descantei
Inté o romper da manhã!
Quando eu saía do arraiá, o sol nascia
E lá na grota já se ouvia
Pipiando a jaçanã.
Caboca, flor da manhã
Sou triste como a acauã!

Que coisa linda!... Digo eu.
Recitei estes versos na terceira classe da minha escola primária. Foi meu Pai que mos ensinou e ensaiou. Eu disse-os com sotaque brasileiro e tudo. Tinha sete, ou oito anos de idade. Meu Pai insistia que eu devia dizer não "caboca demónio mau" mas sim "demonho mau" que era como se dizia no Ceará.
Quando recitei não percebia nada da poesia e muito menos de acordos ortográficos. Minha Mãe filha do Brasil não gostou muito que eu recitasse Catulo. Acharia melhor que eu disse-se Carlos Drummond de Andrade. Afinal era filha de minha avó que achava que o melhor português brasileiro era o que se falava em S. Luís do Maranhão terra de gente culta terra onde nasceu (tinha teatro de ópera e tudo). Meu Pai, que nunca conheceu o Brasil, mas leu tudo quanto havia para lêr da poesia desse país deve ter pensado que Catulo era (em termos de literatura)o irmão gémeo de seu amigo Aquilino Ribeiro. Os regionalismos dos dois estavam acima do romantismo gasto de Dantas e de Soares de Passos dois dos autores de que minha Mãe mais gostava.
-Vai Alta a lua... poetava Soares de Passos. Os Lobos uivam... prosava, Aquilino.
E entre minha Mãe e meu Pai confesso que não consigo optar. Isto é como a música. Umas vezes apetece-me ouvir Rachmaninoff, outras os acordes dos velhos do Buena Vista Social Clube. Outras vezes acho graça a coisas como as que canta o Quim Barreiros (que foi meu camarada na Força Aérea), outras ouvir Enia, ou os Dengue Fever. Depende do momento e do estado de espírito, ou do "mood" como dizem os ingleses.
Mas que Catulo da Paixão Cearence é um poeta inolvidavel isso é. Digam-no os cantores brasileiros que aproveitaram as suas rimas para fazer o melhor que a música brasileira tem.

Friday, June 27, 2008

Dois parágrafos de Arnaldo Afonso


Cogitar é aquilo que a gente faz ao alcançar a consciência de ser. O nosso ponto de origem de ser. Ser de onde? De que Universo? Do de Goujoim, do de S. Cosmado? Ou somos só cidadãos do Mundo como Sócrates. Realmente a nossa origem é uma espécie de poço da Regaleira. Inicia-se uma vida, mas há outras e outros e outros lugares, mas esse nosso fio vital ergue por vezes no pano passadeira da vida bordados de arte que pode ser poesia, ainda para além da filosofia.
O teu cogitare é poesia paralela à minha prosa sobre o nascer e ser. Em que ponto do espaço nasci? Dizes tu. Em que ponto do tempo nasci eu? A mesma incógnita de fundo, mas a tua duvida faz eco.
Arnaldo ou Naldinho de origem.

E agora a mais rendida homenagem aos cães. É um poema de Lopes Vieira que aprendi na terceira ou quarta classe da minha instrução primária (já lá vão décadas). Nesse tempo tinha um cão perdigueiro que se chamava Marão, depois tive outro que acho que era Labrador, como o que tenho agora. Era criança de mais para entender diferenças de raças. Quem sabia disso era meu Pai. Brincava comigo quando eu tinha oito ou nove anos de idade. Chamava-se Chingufe. Era preto. Eu era o Cow-boy e ele o índio. E o Chingufe rastejava na richeira de cima e emboscava o meu séimo de cavalaria por alturas das escadas que ligavam os socalcos. Lutavamos. Ele de dentes afiados eu armado de mãos vazias com uma imaginária espigarda whinchester de cinco tiros. O Chingufe atacava e eu descarregava tiros imaginários sobre esse chefe índio caindo-lhe sobre o dorso. E rosnava o Chingufe e mostrava os dentes, mas nunca mordia a sério e no final retirava à espera que eu fosse atrás dele. Eu ganhava sempre, mas acho que ele nunca perdeu uma batalha comigo e eu nunca lhe ganhei uma. Essas batalhas não eram para ganhar, ou para perder, como o Chingufe sabia muito bem. Eram guerras sérias. Depois dava com ele a roer um osso de que se tinha esquecido que estava posto lá em cima ao pé de casa. E quando o encontrava para o desafiar de novo já dormia a sesta. Que forma inglória de guerrear!...
Depois tive uma cadela inteligente que era fox-terrier atravessada de Pincher que se chamava Boneca. Depois ainda outra que se chamava Flecha. Era Pastor alemão. Forte e possante, mas que se dava com toda a gente na rua. Nunca mordeu ninguém. Mas quando alguém tentava entrar em minha casa sem autorização rosnava e abria os dentes. A rapaziada fugia cheia de medo nesses momentos.
(Hei-de contar noutra altura as particularidades dos meus outros cães).
Todos animais colossais como dizia Guerra Junqueiro. Todos diferentes, mas no fundo um fundo semelhante, como diz a seguir Lopes Vieira, no poema que transcrevo e depois de lido e relido me comovo sempre:


O CÃO

O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!
É bom amigo,bom companheiro,
É valente,fiel,verdadeiro,
Leal,serviçal,
E tem bom coração.
Que diga o seu dono se ele o tem ou não!
Quando vem de fora a gente,
E chega a casa,é o cão
Quem diz primeiro,todo prazenteiro,
Saltando e rindo,
Contente
E com os olhos a brilhar de amor:
_”Ora seja bem-vindo
O meu senhor!”

O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!
Que diga o ceguinho se ele o é ou não!
Nunca viram passar pelo caminho
Um ceguinho
Levando pela mão
O seu cão?
Que seria do cego,coitadinho,
Sem o seu guia,sem o carinho
Daquela dedicação?

O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!
O pastor que diga se ele o é ou não.
O pastor leva o rebanho,
E vai-se ouvindo
O som lindo
Dos chocalhos muito finos,
No ar tinindo,
Como pequeninos
Sinos...
O pastor leva o rebanho;
E quem guarda os cordeirinhos
E as mães,
Dos lobos maus e vorazes?
São os cães,guardas valentes,
Que aos lobos dizem assim:
Ó lobos maus e vorazes,
Sim,
Andem,toquem-lhes lá,se são capazes!...
E,de longe,os lobos miram
Os cordeirinhos contentes,
Mas não se atiram,
Com medo dos seus cães valentes
E dos seus dentes:
O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!


Lopes Vieira

O meu cão e o budismo


DISCÍPULO: - Como posso encontrar a minha natureza de Buda?
MESTRE: -Tu não tens natureza de Buda.
DISCÍPULO: E os cães?
MESTRE:- eles, sim, eles têm natureza de Buda.
DISCÍPULO:- Então, por que não tenho natureza de Buda?
MESTRE:- Porque precisas de perguntar.Os cães não têm simplesmente a natureza de Buda: a sua própria natureza canina é a natureza de Buda. E o que os torna pequenos Mestres Zen peludos, salivantes, latidores, pedintes, brincalhões? Bem, há um koan, ou ditado budista, do mestre Zen Shunryu Suzuki, do século 20, que o resume sabiamente: “Há algo de blasfemo em dizer-se como o Budismo é perfeito como filosofia ou ensinamento se não se sabe o que realmente é.” A nosso ver, Suzuki não poderia ter dito melhor. Nunca deveríamos presumir que presumimos saber. E menos ainda um cachorro. E é exactamente esta a pista do Cão Zen. Mesmo nos piores dias de cão, os cães sentam-se, param e abanam o rabo para expressar devoção, honestidade, lealdade, amor, compaixão e alegria – as mais puras qualidades Zen. Isso é tão visível quanto o focinho frio e húmido nas suas caras. Os cães vivem o momento presente. A cada minuto que começa ou acaba com o próximo osso, bola, migalha de pão ou até com o cheiro realmente desagradável que venham a farejar, os cães vivem a verdadeira alegria da vida.Certamente não foi obra do acaso terem sido os cães os primeiros animais a serem domesticados pelo ser humano e terem-lhes permanecido fiéis desde então. Talvez seja por isso que não duvidam que têm um espaço garantido na cama – milhares de anos de serviço os tornam merecedores de pelo menos uma boa noite de sono. E, depois de um cansativo dia de trabalho, aqueles olhos puros, meigos, de cachorrinho olhando para si com devoção canina, atiram longe o stress mais tenaz e o ânimo mais deprimido. E, quando o humor já está recobrado, fazem todo o possível para partilhar dessa felicidade – sobretudo se for a sua felicidade – com demonstrações de energia positiva, balançando o corpo e saltando de pura alegria.Talvez um único ano de vida de um cão valha por sete anos humanos porque eles não têm coisas inúteis a fervilhar nas suas mentes, assim como podem armazenar sete vezes mais amor num ano do que qualquer um de nós. Na categoria gosto-não-se-discute os cães ganham de longe. Quantas vezes já viu cães a amar incondicionalmente os seus donos – mesmo quando são pessoas muito difíceis – de um modo que talvez o próprio Buda visse como um desafio a ser vencido? Talvez eles amem essas pessoas simplesmente porque são capazes disso e aceitem voluntariamente o dever do combate emocional, uma vez que sabem, assim como Buda sabia, que o ódio não se vence com o ódio, o ódio é conquistado pelo amor. Os cães fiéis ensinam os seus donos, mesmo aqueles que não são dignos de ser chamados de pessoas, a amar de novas e diferentes maneiras.Outro presente que trazem para nossas vidas é uma lição da arte de identificar o que é verdadeiramente importante – uma cesta à tarde num lugarzinho cheio de sol, um relvado num cálido dia de primavera ou um belo e longo passeio sem destino certo. Aprendemos a ter paciência quando tentamos ensiná-los a dominar a arte de sentar-se, ficar de pé ou ir buscar algo. Qualquer pessoa que tenha sido acordada ao amanhecer, com latidos pedindo um passeio, recebeu uma lição de dedicação altruísta, do tipo da que faz a si perguntar-se já tinha mesmo noção de quem é o Mestre nas relações homem-cão, invertida o tempo todo.Como bem disse Buda, de forma muito simples e profunda:
Controle seus sentidos,O que você prova e cheira,O que vê, o que ouve.Em tudo, seja o Mestre do que faz, diz e pensa. Seja livre.Os cães não sabem falar e, convenhamos, certamente não têm as papilas gustativas mais refinadas do reino animal (eles deixam isto para a dengosa turma felina), mas estão sempre demonstrando um domínio dos próprios sentidos. Certamente seus aguçados focinhos conseguem não só desenterrar o osso velho, ora pronto para uso, que haviam enterrado sob a sua roseira predilecta um ano e meio atrás, como também conseguem farejar a sinceridade e a ternura nos seres humanos.E, a partir do momento em que conseguimos ver claramente por onde seus focinhos passaram, os cães mostram-nos como descobrir o melhor de nós mesmos. Usam seu refinadíssimo olfacto de forma miraculosa, seja para avisar famílias sobre incêndios no meio da noite, seja para localizar nódulos cancerosos nas pessoas, utilizando seus focinhos extraordinariamente apurados para prevenir tragédias que os alarmes contra fogo e médicos experientes não conseguiram detectar. E é essa mesma sensibilidade que fareja carências numa pessoa quando uma gentil esfregadela do focinho ou uma lambidela tola no rosto oferece um bem-vindo e carinhoso toque de cómico alívio.Mesmo que as papilas do seu paladar possam não parecer refinadas, eles certamente têm seus petiscos favoritos – um biscoito crocante, deliciosos sapatos novos italianos ou, melhor ainda, a gostosa maciez de sua bola de ténis favorita. Quanto a gostar de pessoas, têm suas predilecções, lembrando-se de algumas delas depois de anos sem vê-las ou mesmo viajando centenas de quilómetros para reunir-se aos seus amados humanos.Os cães vêem-nos como somos ou até mais profundamente; vêem-nos como podemos ser. A fidelidade de um cão ajuda-o a fechar os olhos para a fealdade das pessoas que o maltratam, vendo nelas apenas a beleza enquanto espera pacientemente que o seu lado melhor venha à tona. Se fôssemos suficientemente sábios para dar uma olhada nos espelhos da alma de um cão, veríamos que o amor ali reflectido está directamente voltado para nós.Todos já ouvimos falar da aguçada audição canina, já vimos suas orelhas ficarem em posição de alerta e perguntamo-nos o que estaria ele ouvindo. Seria alguma secreta estação de rádio canina que só eles conseguem sintonizar? Ouvimos constantemente histórias de cães heróicos que salvaram pessoas que gritavam por socorro; eles têm uma capacidade auditiva tão subtilmente sintonizada que só pode estar alocada nos seus corações. Contudo, sofrem de um problema de audição selectiva – palavras como saia e deite não são registradas do mesmo modo que vamos passear ou comida –, mas, venhamos e convenhamos, um cachorrinho não fica mesmo faminto mostrando-se tão dedicado o dia inteiro? E que lugar melhor para ficar roendo vigorosamente um osso do que um confortável sofá?Quando os seus humanos chegam a casa, sentam-se e ouvem tintim por tintim tudo que aconteceu no trabalho, os suspiros abafados, jamais fazendo o outro sentir que ele preferiria estar ocupado com alguma outra coisa. Se estão a pensar agora: “Mas quem é que fala com seus cachorros?”, pelo que sei, a resposta é bem simples: um bocado de gente. E por que não? Quem mais escuta dessa maneira? Os cães sempre se mostrarão bons ouvintes, presumindo que você é realmente inocente. Mesmo que se prove o contrário, o seu cachorro nunca o deixará perceber que ele está entediado ou tem alguma queixa de si.De maneira absolutamente Zen, os cães incorporam um grau de fidelidade, constância e firmeza em relação a seus donos que, em geral, os discípulos Zen só aspiram conseguir em relação a seus Mestres. Os cães mostram-nos como é uma natureza altruística; ajudam-nos a deixar de lado nossas tendências ao egoísmo e a preocupar-nos exclusivamente connosco para subir às alturas do compromisso e da dedicação, onde finalmente poderemos aprender a instalar-nos, e lá ficarmos firmemente comprometidos com nossas ideias espirituais. Podemos todos aprender a abster-nos de julgamentos com os nossos companheiros de quatro patas que nunca nos julgam pelas roupas que vestimos, pelo emprego que temos ou pela companhia que compartilhamos. Eles tratam a todos com a mesma generosidade de espírito, voltando sempre a merecer o título de Melhor Amigo do Homem.Cão Zen nasceu de um desejo de mostrar o puro e inalterável amor canino. Não só o dos mais doces, que são — tãããããão — engraçadinhos, mas o dos verdadeiros cães da raça McCoy, que são Zen de uma maneira que só eles sabem ser. Esperamos que, mesmo por alguns momentos, este livro, mais do que um tributo aos peludos pequenos Mestres Zen, nos ajude a dar uma boa olhada sobre nós mesmos pelo espelho da honestidade, lealdade, dedicação e espírito surpreendentemente puro dos cães. Quando encontro um cão claramente em sintonia com a sua própria natureza, olho-o bem nos olhos e faço a seguinte pergunta: “E então, o que fazes para ganhar a vida?” Inevitavelmente, qualquer um digno de sua raça tem a mesma resposta: “Eu sou apenas um cão.” E simplesmente entrega todo o seu coração ao que veio fazer aqui – servir a seus donos, ensinar-nos o que é o amor incondicional, dar-nos o presente de aprender a estar presente – ele cumpre sua missão de cão como um verdadeiro Mestre. Pois, no final das contas, a presteza da mente é que é a sabedoria. Observe uns olhinhos fixos no sanduíche que está a comer e logo ficará a saber que eles estão atentos e conscientes do facto de que, se fizerem aquele olhar de eu-um-pobre-coitado-faminto, naquele momento você poderá sucumbir. E, se acontecer que um biscoito caia no chão da sala de estar, você descobrirá que a sua desenvolvida mente Zen captou o fato, pois, antes que a chuva pare de cair, ele já terá conseguido ouvir um pássaro e perceber que o sol está a caminho. Mesmo deitado sob o sofá, conseguirá encontrar aquele biscoito que escapou da mão do seu dono.