Friday, October 31, 2008

Adormecer. Eu num livro a meio capítulo e o meu cão sempre que surge ocasião

Deixo-me adormecer

Distendem-se os meus dedos

E o livro que tinha entre mãos descai, escorrega pelo sofá

E fecha-se no chão

tal e qual como o meu cão

Amanhã quando acordar
Retirarei o livro do chão
Encontrarei a página onde o deixei
Por lêr ao dormitar

Ao acordar o meu cão que de páginas não sabe
Sabe sempre onde fica o dia seguinte a manhã e a realidade












Wednesday, October 29, 2008

Esboço do meu cão num bloco de notas


Este é o esboço do meu cão
É melhor do que uma fotografia.
A fotografia é química e fria
Transmite realidade mas é vazia
De interacção
De amor
E de emoção.

Os traços da minha caneta
De cor preta
De tinta da China
Fina
Formam-lhe o perfil
Por acaso
Num Coloane de ocaso

Esbocei os traços do meu cão
Exactamente no dia vinte e cinco de Abril.

Ocasião?

Nem foi por acaso
Nem por querer
Foi assim
Ao ver
Um Sol a perecer
Anil e raso

Diariamente o Sol fenece e amanhece para mim.
Acho que desde que nasci tem sido sempre assim.

E acho que nesta ocasião
Esbocei
Os traços finos do meu cão
Da melhor maneira
Que sei
Mais real?
Sim!
Assim,
Mais natural
Do que em qualquer fotografia.

Nem por acaso
Nem por querer

Eis os traços esboçados
Do meu cão labrador
Guardador
Do meus medos escondidos e guardados
E sublimados.

Ele o meu cão
Guarda-me em qualquer ocasião
Mesmo quando se projecta
Através da minha caneta

Numa teoria
Estética
Esboço de situação
Filosofia emética.

O meu cão!

Dono e cão
Nesta situação
Somos seres semelhantes
Redundantes

Ora, ora...!
É o meu cão
Amigo em qualquer situação

Tuesday, October 28, 2008

Imagem reeditada de um sonho ao dormitar ao meio dia



Subitamente
Sinto-me antigo

Num repente.

Subitamente!
De imagens perseguido

Revejo a preto e branco de criança o meu mundo

No fundo

Apenas o transporto comigo

Sou eu menino adulto e velho a cogitar

Os tempos da infância dão que pensar.

Não dão?

Que noites mal dormidas (sonhos mil)
Me fazem recordar
Ciclicamente
Esta imagem de Leomil

Exactamente
(Cerca de um segundo
Antes de acordar)

Revolvo-me na cama.

Não quero despertar

À madrugada nada me chama

Não! Não é a preto e branco o mundo.
A realidade são cores
E ruídos de vida
O resto sou eu nesta jornada de formas e fundos incolores

Deixem-me dormir
Sinto-me doente
Não interrompam o meu sono profundo
Declaro-me desde hoje definitivamente
Da vida a cores ausente
Deste presente universo
Anseio o reverso
Quero adormecer de novo e sumir deste mundo.

Pelo menos durante mais um momento.
Faltam cerca de cinco minutos para acordar
É dia de semana e tenho que trabalhar.
Na verdade giro entre a felicidade de dormir e o tormento
De despertar

Sereno deixo-me ficar na cama
Mas a vida chama
Eu sei que tenho que que me levantar
Mas é tão bom ficar entre lençois a sonhar
É como um unguento.

Devo dizer que sonho sempre em tons de cinzento.

Thursday, October 23, 2008

A minha aldeia quando eu era pequenino e era Inverno a sério.


Breve
Se estende a neve
Na aldeia

Silêncio total
Nada...
Não se ouve nada!

O Mundo
É neve
E branco
E é nada

Silêncio profundo
Que se sucede à madrugada.

Teatro Baquet. Porto Onde morreu a Maria Coroada que fez o sisma da Granja do Tedo


História da Mulher-Homem
Chamou-se, no baptismo, Maria da Trindade e era filha de Maria das Neves ou Maria Coroada. Nascida em Quintela (Sernancelhe), foi, ainda criança, para Granja do Tedo (1851). Vestiu-se como rapaz e adoptou o nome de António das Neves, estatuto que manteve pela vida fora, na escola, no trabalho à jorna pelo Douro e como empregado de comércio, no Porto, mais tarde. Cultivou a amizade de uma rapariga da Granja do Tedo, mas adiou sempre o casamento. Correndo o ano de 1879, certo dia, no Porto, a polícia suspeitou da estranha situação de António das Neves, que não trazia consigo documentos militares. Foi levado a Tribunal mas logo libertado devido às boas referências de toda a gente. Readquirindo um estatuto de mulher casou nesse mesmo ano com o filho de um antigo patrão. Morreu tragicamente no incêndio que, em 20 de Março de 1888, deflagrou no Teatro Baque
Esta mulher possui uma história extraordinária que Portugal mal conhece. Creio que apenas Pinho Leal lhe fez referência (para além de alguns escritores regionais beirões). Arnaldo Guedes, publicou um artigo interessantíssimo sobre a Maria Coroada e o Cisma da Granja do Tedo na Revista Contr'O Vento do Colégio Infante D. Henrique de Moimenta da Beira. Gostaria de o estampar neste blog, mas será muito difícil encontra-lo no ciberespaço, já que foi impresso, nos anos 60 do século passado, a letras de chumbo numa tipografia de Lamego, num tempo em que os computadores pessoais estavam a mais de duas décadas de distância e disquete era uma palavra inexistente que só os escritores de ficção científica usavam nas suas novelas de antecipar o futuro.

Uma biografia em espanhol do general Prim de que falei no anterior post


Juan Prim y Prats (Reus(Tarragona),1814-Madrid,1870).

Nació en Reus(Tarragona) en 1814.
Murió en Madrid en 1870.
Su padre, Pau Prim i Estapé de Reus, aunque originario de Verdú (Urgell) y de una familia con vínculos en la Universidad de Cervera, alternó la profesión de escribano con la de soldado (capitán durante la guerra de la independencia y teniente coronel en la primera guerra carlista).
Su madre fue Teresa Prats i Vilanova, hija de un comerciante.
Fue un soldado y un líder político.
A la edad de diecinueve años se alistó en uno de los primeros batallones de infantería de Isabel II que se organizaron en Reus para pelear contra los carlistas; recibió su bautismo de fuego el 7 Agosto de 1834 y pronto tuvo su primer acto mencionable al conducir una carga de bayonetas contra el grupo de casas de Raurell de Sagàs.
Al terminar la guerra en 1840, siempre había peleado en Cataluña, era coronel y había ascendido por méritos en el campo de batalla, además había sido distinguido con dos cruces de San Fernando.
Participó en treinta y cinco contiendas, habiendo muerto personalmente cinco enemigos y se habia enrolado ocho veces. Se distinguió entre la tropa por haber sido el primero en entrar en combate en los ataques a Solsona y Àger y por mostrar gran habilidad táctica en la segunda batalla de Peracamps (Abril 1840).

Fue un liberal convencido, al final de la guerra fue eligido diputado al parlamento por Tarragona (1841) y se incluyó entre los progresistas. Pero pronto se distanció de Espartero y el 30 de Mayo de 1843 peleó contra Martín Zurbano.
A la constitución del Ministerio Universal de Serrano, en Barcelona, y la caída de Espartero, Prim acompañó a Serrano a Madrid, pero tuvo que volver a Barcelona como Gobernador Militar (Agosto 1843), para combatir la revuelta de Jamància que dominó la ciudad. Estos sucesos lo promovieron y fue nombrado Conde de Reus y Vizconde de Bruc.
En 1847 fue nombrado Capitán General de Puerto Rico. Facilitó la entrada de capital y colonizadores para activar la vida económica, y reprimió el bandillaje y las rebeliones de los esclavos; estas y otras medidas impopulares condujeron al gobierno a su sustitución en el verano de 1848.
Luego fue elegido diputado, primero por Vic (1851) y después por Barcelona (1853).
En 1851, junto con otros diputados catalanes, pidió que el gobierno discutiera el estado de sitio en Cataluña, y a la vez denunció la arbitrariedad del gobierno central con el Principado.
En 1853 mandó una comisión militar española que observara los Crimenes de Guerra, con el ejército Turco.
Volvió a Madrid a consecuencia de la revolución de 1854.
El gobierno progresista que surgió de la "Vicalvarada" (1854), que terminó la década moderada, lo nombró Capitan General de Granada (1855-56).
En 1856 se casó en la iglesia de La Madeleine en París con Francisca Agüero, hija de un banquero mexicano.
Participó en 1859-60 en la campaña de Marruecos, en que fue el general más distinguido, aunque mandó la divisiones de reserva. Se le concedió el título de Marqués de Castillejos y Grande de España, como gratificación.
Cuando, al final de 1861, Francia, Inglaterra y España determinaron una intervención militar en México para cobrar una deuda importante contratada con estos países, Prim condujo la expedición española que peleó en la guerra mexicana. Benito Juárez, entonces presidente de México, determinó la suspensión de pagos, en medio de los civiles conservadores y liberales. De hecho, los europeos deseaban dar el apoyo a los conservadores con el fin de recolonizar y para establecer un régimen monárquico.
El General Prim inicialmente ocupó la fortaleza de San Juan de Ulúa y la ciudad de Veracruz, donde levantó la bandera española, lo que indignó al otro aliado. La parte mexicana y Prim convocaron una conferencia, en Orizaba, para discutir el problema entre España y México, donde José González Echevarría, un pariente de Francisca Agüero, intervino decisivamente. Finalmente, Prim firmó con los representantes del gobierno mexicano el acuerdo de La Soledad (Febrero 1862).
Cuando Inglaterra se retiró, Prim dándose cuenta de las intenciones de los franceses para instalar un nuevo régimen en México, "el Imperio de Maximilian", decidió reembarcar sus tropas y volver a Cuba (Abril 1862), una decisión cuestionada en la Península, pero especialmente por los magnates españoles quienes perdieron la reconquista de México.
Antes de volver a España, Prim fue a los EEUU, un país en medio de una guerra civil. Consiguió saber los contactos e intereses económicos entre este país y Cuba. Luego, como resultado de esta experiencia internacional, se ocuparía de los intentos de negociación de la independencia de la isla con los EEUU y con los líderes de la rebelión Cubana.
Al volver a España se unió el partido progresista.
Acusado de conspiración, se trasladó a Oviedo (1864); de ahí en adelante rompe abiertamente con Narváez, con O'Donnell y el trono y se unió a la conspiración. El preparó pronunciamientos en Valencia (Junio 1865), Villarejo de Salvanés (Enero 1866), revuelta de las sargentos del San Gil de los cuarteles en Madrid (Junio 1866) y Valencia (Agosto 1867).
Entre 1864 y 1868 ejecutó el papel de conspirador liberal en Europa. Con la muerte de Leopoldo O'Donnell, y respaldado por los sindicalistas (verano de 1868), fue el alma de la Revolución de Septiembre de 1868, que obtuvo el derrocamiento de Isabel II.
El 19 Septiembre, con la colaboración de Ruiz Zorrilla, Sagasta y otros líderes políticos, lanzó el manifiesto "España con honor" y, con la ayuda del General Serrano y el brigadier de marina J.B.Topete, desembarcó en Cadiz.
Mientras fuerzas del ejército alzadas contra Isabel II marchaban sobre Madrid, Prim extendió la revuelta a lo largo de Andalucía y la costa del Mediterránea hasta Barcelona, que lo recibió triunfante; de allí fue a Tarragona y Reus.
El 7 Octubre alcanzó Madrid y asumió la dirección el ministerio de guerra del gobierno provisional presidido por Francisco Serrano.
En Junio de 1869, con la promulgación de la nueva Constitución, Serrano llegó a ser regente y Prim el jefe del gobierno, mientras tenía el ministerio de guerra. En esta etapa del gobierno provisional, Prim defendió con realismo, la necesidad de una monarquía constitucional y buscó una dinastía que la respetara. Fracasaron sus contactos con Ferdinand de Saxe-Coburg y Gotha, regente de Portugal, y con el Príncipe Leopold von Hohenzollern-Sigmari (el que indirectamente provocó el Franco-Prussian Guerra de 1870-71).
La elección de Prim fue Amadeo de Savoya, duque de Aosta, y presentó su candidatura al Parlamento, que la aprobó (16 Noviembre 1870).
El 27 Diciembre, mientras Amadeo reinaba en España, seis pistoleros dispararon sus armas contra Prim, el la calle del Turco, en Madrid, y lo hirieron en el brazo y muslo. Las heridas no eran serias, pero se llegaron a infectar y murió tres de días después.

Prim tuvo muchos enemigos : el duque de Montpensier, el regente Serrano, los esclavos y comerciantes de la Habana, etc. parece, sin embargo, que la persona directamente responsable fue un republicano fanático el Andaluz José Paul y Angulo.
Tuvo dos hijos, Joan, duque de Castillejos, e Isabel.
Está considerada una de las figuras políticas catalanas más importantes del S.XIX.

Minha Tia avó, o Teatro Baquet do Porto, o General Prim e as memórias da adolescência


Minha Tia Avó, Maria José, tinha uma memória extraordinária. Morreu com quase cem anos. Nasceu em 1867 em Ervedosa do Douro.
Dela recordo histórias interessantes que preencheram o meu imaginário de criança durante os anos 50 e 60 do século passado. Inserirei uma fotografia desta minha querida tia num próximo post, logo que encontre alguma. Nascida numa família de políticos (ainda que regionais) nunca se meteu na política (nesse tempo, mesmo nas famílias liberais as meninas limitavam-se aos lavores, a aprender francês e a tocar piano), essa minha Tia não tocava piano, mas falava francês e lia tudo quanto lhe aparecia à mão, fosse em português, ou em francês. Mas essencialmente assimilava tudo quanto ouvia e se dizia em família. Que memória tinha com 96 anos de idade e como comunicava. Que pessoa fora do comum!
Nos tempos em que a RTP era a preto e branco a Tia Maria José (Tia Mariqinhas como a tratávamos em família) substituía os programas cinzentos e os telejornais apresentados por Manuel Caetano, contando histórias a cores (sim a cores) já que a forma vívida como falava era um colorido de imagens impresso em gravuras coloridas semelhantes às de “O António Maria” de Bordalo Pinheiro.
Então apagava-se a desinteressante televisão (já semi-apagada pela censura o Estado) e ouviam-se histórias bem mais interessantes de minha Tia
Falava de coisas que eu desconhecia e que por muitos anos seguintes persisti em desconhecer. Eram de outros tempos e de um outro Portugal e eu era adolescente demais.
Minha tia, com quatro, ou cinco anos de idade dizia lembrar-se de dramas obliterados há muito pela história, como o último enforcamento a que se assistiu no Porto de um criminoso qualquer ao qual foi levada às costas de uma criada que queria ver o espectáculo. Teria sido isto num ano qualquer da década de 70 do século XIX. Minha tia pequenina, não percebeu bem o que viu, ou deixou de vêr, mas meu bisavô José Guedes, ficou furioso (não sei se despediu a criada, mas acho que sim). Mas minha Tia também assistiu a cenas felizes da vida nomeadamente no principal teatro do Porto, o Teatro Baquet que um incêndio fez desaparecer da vida cultural da cidade. Ali assistiu a revistas inolvidáveis que despertavam simultaneamente, lágrimas e gargalhadas de que fixou alguns refrões. Deixo a seguir inscritos dois de que me lembro minha Tia ter contado:-

As irmãs da caridade pum
Vivem na quinta Amarela
Pum catapum agora, agora
Réu, réu pum

Esta rima tinha a ver com o sentimento anti clerical que nesses tempos reinava em Portugal, embora ainda hoje esteja para saber quem eram as irmãs da Quinta amarela. Creio que seriam as irmãs franciscanas francesas que foram expulsas de Portugal juntamente com os Jesuítas, mas não estou certo. Hei-de fazer consulta acerca desta cêna.

Este segundo “sketch” da tal revista do Teatro Baquet que minha Tia recitava rezava assim:-

Que nelas bombas
Que nelas Bombas
Òh clarim
Que viva o Porto
Que viva Braga
Que viva o Prim.


Fixei estes versos, mas nunca me preocupei até hoje em saber o que queriam dizer. Referiam-se a um momento político da altura.
Mas quem era o Prim? perguntei a minha Tia.
- Era um general espanhol liberal que Meu pai (meu bisavô) tinha em grande conta política, respondeu.
Fiquei na mesma e não me lembrei mais do caso até hoje, altura em que decidi consultar a Internet e esclarecer quem era esse general Prim. E para minha grande surpresa verifiquei que o dito general foi uma das primeiras pessoas a ser fotografadas no Mundo. Tinha surgido o daguerreótipo, ou seja a fotografia que em vez de obrigar o modelo a posar horas e horas para um pintor bastava sentar-se, tomar a melhor posição e depois do um, dois, três do fotógrafo de mão e dedo indicador apontandos para o ar e do subsequente “clik” ali ficava gravado para a posteridade o seu retracto em menos de um segundo.
Só agora compreendi o facto de não existir uma única fotografia de meu Bisavô e só agora compreendi também inteiramente o que minha, Tia Maria José dizia, quando afirmava:
- Meu Pai nunca se deixou fotografar.
-Porquê?
- Não sei bem, mas Ele dizia assim:- Nunca me retractei na vida. Não é agora que me vou retractar!
Meu bisavô associava a palavra retracto não à novidade tecnológica, mas sim ao facto de se arrepender dos seus princípios morais, políticos e sociais dos quais nunca de facto abdicou.

Wednesday, October 22, 2008

Uma caricatura antiga e um artigo antigo mas ao mesmo tempo actual


Neste blogue não gosto de falar de política nem de assuntos da actualidade de Macau. Todavia encontrei um escrito meu de há muitos anos e nunca publicado que em minha opinião se aplica ao dia de hoje em que se registou a abertura do ano judicial (Outubro 2008).

Reza assim o artigo (com as devidas modificações de tempo e modo):-

Diz-se que em Macau não há massa crítica.

Não sei bem o que o termo significa.

Será sinónimo de psicologia de massas?

Será uma conclusão da teoria das vanguardas do Marxismo-leninismo.

Não tenho a certeza, mas com certeza que o pensamento crítico não está ausente de Macau, senão Macau não existiria como postulado nem como existência concreta (a cidade existe e vive).

De facto, se não existe massa crítica, ou vanguardas esclarecidas há com certeza gente que para além de pensar em família, ou para si próprio tem ocasião de publicitar o que pensou, de forma acertada mas bem e, em alguns caso bem humorada, o que faz mais efeito.

Neste contexto relevo uma frase que me parece exemplar no caldeirão da eventualmente inexistente massa crítica que foi proferida pelo presidente da Associação dos Advogados, Jorge Neto Valente a propósito da passagem dos 5 anos da RAEM que todos comemoramos agora.

Diz Neto Valente e cito: Portugal não esteve em Macau 400 anos mas sim duzentos anos em comissões de serviço sucessivas de dois anos!

Verdade iniludível.

Cumpre dizer que o mesmo advogado tinha dito em 1983, quando era deputado à Assembleia Legislativa outra frase liminar que ainda hoje recordo.

Finda uma intervenção pró governamental de um seu colega de hemiciclo, que por acaso era também director da Polícia Judiciária, mas que não passou (nesse mesmo hemiciclo) de uma longa banalidade, Neto Valente tomou a palavra para comentar e dizer apenas que a intervenção do seu colega seria de La Palisse, se não fosse de “la police”. Isto porque “la police”, extravasava a sua área de competência para se intrometer na política.

Num intervalo de vinte anos as duas intervenções públicas que citei ficam para a história mais do que se pode assumir.

De facto Macau mantém-se agora como identidade cultural com muito mais especificidades do que seria de esperar antes da transição de 20 de Dezembro de 1999.

As ruínas de S. Paulo, o Palácio da Praia Grande o Palacete de Santa Sancha, as várias igrejas; S. Domigos, Penha, Santo Agostinho, a Sé.

Os templos de À Má, Kun Yam e Lin Fong, as fortalezas da Barra, do Monte da Guia e tantos outros monumentos são verdades de La Palisse reconhecidas como património mundial.

Mas as pessoas serão também reconhecidas como património mundial?

Nove anos depois do estabelecimento da RAEM é preciso perguntar e esclarecer se de facto Macau é uma especificidade de Monsieur de La Palisse ou uma cidade nova a construir agora perene sobre a interinidade de 400 anos de portugueses enviados para o Extremo Oriente para comissões sucessivas de dois anos.

Ou se de facto Macau existe como realidade multifacetada capaz de resistir aos tempos com identidade própria no interior de uma pátria milenar de que de facto, apesar dos ventos da história e das realidades da política me parece que nunca esteve arredada.

Mas, e para terminar estou curioso para saber se Macau se manterá como realidade autónoma no futuro e se será capaz de trazer à grande China algum valor acrescentado.

Não falo dos milhões que nos casinos, que circulam entre bancos (agora falidos, ou semi - falidos), mas sim da possibilidade de Macau ser de facto mais do que palavras de políticos de boas intenções de académicos e de interesses reais de pessoas comuns sem nada a ganhar, ou a perder poder tornar-se num entreposto democrático do mundo todo.

Tenho pena, mas não tenho opinião

Esta era a Força Aérea Portuguesa em que eu voava


Máquinas voadoras

Máquinas velhas voadoras
Exímias em gargarejos
Construções aterradoras
Parentes de caranguejos
Pinturas despenteadas
Arames, cola “patex”
Bússolas descompensadas
Instrumetos todos “lex”
Estão “VH efes inops”
E “H efes” no galheiro
Nem TEVS, TGER, ou ZOPS
Aviões p’ro estaleiro
JG, Angola, 1972

Nestes aviões voei não sei quantas vezes. Com o Matos de Espinho (com o qual tive a minha primeira emergência aérea. O motor parou e sabe-se lá o que teria acontecido se quando o dito motor quando o avião já rasava as árvores cá em baixo não tivesse pegado de novo. O élice retomou as rotações, o avião voltou à atitude de cruzeiro e sobrevivemos), com O Tex (Teixeira)da Figueira da Foz outro amigo. Foi ele que me largou nos horizontes dos céus.Foi com ele que fiz as minha primeiras descolagens e aterragens por mim próprio em Angola (Gago Coutinho). Com o Patrício de Paredes de Coura, com o qual para saudar o quartel de Cangamba fizemos voo razante de saudação ao belo almoço que alí nos tinha sido oferecido acabando por cortar os fios de electricidade do quartel com as rodas do trem de aterragem o que provocou a ira dos terrestres (soubemos nós depois)com o Dias de Lisboa meu amigo do peito e basquetebolista emérito do Sport Algés e Dafundo. Este meu amigo acabaria por morrer num acidente de viação (não de aviação)num BMW algures entre Lisboa e o Algarve. O Dias gostava de correr contra o destino, mas não teve sorte.
São tantos camaradas da Força Aérea que hoje recordo a bordo deste Dornier 27, máquina velha voadara...

Tuesday, October 21, 2008

Os Bois de Afonso Lopes Vieira e o meu cão





OS BOIS

Os bois! Fortes e mansos, os boizinhos,
- leões com corações de passarinhos!

Os bois! Os grandes bois, esses gigantes,
tão amigos, tão úteis, tão possantes!

Vede os bois a puxar, pelas estradas,
aquelas pesadíssimas carradas.

O corpo deles, com o esforço, freme,
e o carro geme, longamente geme...

E à noite, pela estrada tão sòzinha,
o carro geme, geme, e lá caminha...

E parece, pela noite envolta em treva,
que é o carro a chorar por quem o leva.

Vede o boi a puxar à velha nora,
que parece também que chora, chora...

A nora chora, e o boi, cansadamente,
anda à roda, anda à roda, longamente...

E parece pela tarde erma que expira,
que é a água a chorar por quem a tira.

Mas vede os bois, também, nessa alegria
de trabalhar na terra à luz do dia!

Vede os bois a puxar ao arado, agora
que o lavrador conduz pelo campo fora!

Eis um canto de amor no ar se espalha:
- é a terra a cantar por quem trabalha!

O arado rasga a terra, e os bois, passando,
com os seus olhos a vão abençoando.
Sem as suas fadigas e canseiras,
não teriam florido as sementeiras!

Sem a sua força, sem a sua dor,
não estava rindo a terra toda em flor!...

E, por onde os bois lavraram,
as fontes frescas brotaram,
as árvores verdejaram,
os passarinhos cantaram,
as flores floriram,
os campos reverdeceram,
os pães cresceram
e os homens sorriram!...

Pós mote
Os bois de Vieira
O meu cão é bem mais pequenino
Com trinta quilos de peso certos
Olhos espertos
E melancólicos
E sedutores
Bucólicos
Encantadores
À minha beira
É afinal também
Um animal de encantar.
Merece versos tão enterncedores
Como os bois de Vieira.
Pena é que eu não saiba bem versejar

Uma aranha contr'o vento de Afonso Lopes Vieira


Dança do vento

O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!


Afonso Lopes Vieira

Monday, October 20, 2008

Ilustrei assim este poema de Guerra Junqueiro


Lançai o olhar em torno;
Arde a terra abrasada
Debaixo da candente abóbada dum forno.
Já não chora sobre ela orvalho a madrugada;
Secaram-se de todo as lágrimas das fontes;
E na fulva aridez aspérrima dos montes,
Entre as cintilações narcóticas da luz,
As árvores antigas
Levantam para o ar – atléticas mendigas,
Fantasmas espectrais, os grandes braços nus.

Na deserta amplidão dos campos luminosos
Mugem sinistramente os grandes bois sequiosos.
As aves caem já, sem se suster nas asas.
E, exaurindo-lhe a força enorme que ela encerra,
O Sol aplica à Terra
Um cáustico de brasas.

O incêndio destruidor a galopar com fúria,
Como um Átila, arrasta a túnica purpúrea
Nos bosques seculares;
E, Lacoontes senis, os troncos viridentes
Torcem-se, crepitando entre as rubras serpentes
Com as caudas de fogo em convulsões nos ares.

O Sol bebeu dum trago as límpidas correntes;
E os seus leitos sem água e sem ervagens frescas,
Co'as bordas solitárias,
Têm o aspecto cruel de valas gigantescas
Onde podem caber muitos milhões de párias.
E entre todo este horror existe um povo exangue,
Filho do nosso sangue,
Um povo nosso irmão,
Que nas ânsias da fome, em contorções hediondas,
Nos estende através das súplicas das ondas
Com o último grito a descarnada mão.

E por sobre esta imensa, atroz calamidade,
Sobre a fome, o extermínio, a viuvez, a orfandade,
Sobre os filhos sem mãe e os berços sem amor,
Pairam sinistramente em bandos agoireiros
Os abutres, que são as covas e os coveiros
Dos que nem terra têm para dormir, Senhor!

E sabei – monstruoso, horrível pesadelo! –
Sabei que aí – meu Deus, confranjo-me ao dizê-lo! –
Vêem-se os mortos nus lambidos pelos cães,
E os abutres cruéis com as garras de lanças,
Rasgando, devorando os corpos das crianças
Nas entranhas das mães!


II
Quando inda há pouco o vendaval batia
Dos grandes montes nos robustos flancos;
E as nuvens, como enormes ursos brancos,
Em tropel pela abóbada sombria
Dos canhões dos titãs, aos solavancos,
Arrastavam a rouca artilharia;

Quando os rios, indômitos, escuros,
Iam como ladrões saltando os muros,
Para roubar ao camponês o pão;
E, cruzando-se, os raios flamejantes
Abriam como esplêndidas montanhas
De meio a meio a funda escuridão;
Quando os ventos aspérrimos, frenéticos
Como ciclopes doidos, epilépticos,
Com raivas convulsivas
Perseguiam, bramindo, às chicotadas,
Das retumbantes ondas explosivas
As trôpegas manadas;

Quando entre os gritos roucos da procela,
A fome – a loba – escancarava a goela
Uivando às nossas portas;
E andavam sobre as águas desumanas
Com os despojos tristes das choupanas
Berços vazios de crianças mortas;

Oh! nesse instante, ao ver o povo exânime,
Pulsou da pátria o coração unânime,
Um coração de mãe piedosa e boa...
E das imensas lágrimas choradas
Muitíssimas então foram guardadas
Entre as jóias da c'roa.
Mas é certo também que além dos mares
Alguém ouviu, alguém, cortando os ares
Essa terrível dor;
E esse alguém é quem hoje, é quem agora
Morto de fome a soluçar implora
Mais do que o nosso auxílio – o nosso amor.
Vamos! Abri os corações, abri-os!
Transborde a caridade como os rios
Transbordaram dos leitos em Janeiro!
Nem pode haver decerto mão avara,
Que a esmola negue a quem lh'a deu primeiro.

A miséria é um horrível sorvedoiro;
Vamos! enchei-o com punhados d'oiro,
Mostrando assim aos olhos das nações
Que é impossível já hoje (isto consola)
Morrer de fome alguém, pedindo esmola
Na mesma língua em que a pediu Camões!

Alguma coisa sobre Guerra Junqueiro

Abílio de Guerra Junqueiro (1850-1923) nasceu em Freixo de Espada à Cinta, formando-se em Direito na Universidade de Coimbra. Foi funcionário público e deputado, aderindo em 1891, com o Ultimatum inglês, aos ideais republicanos. Influenciado por Baudelaire, Proudhon, Victor Hugo e Michelet, iniciou uma intensa escrita poética com o fim último de, pela crítica, renovar a sociedade portuguesa. Retirou-se para uma quinta no Douro, regressando à política com a implantação da República, tendo sido nomeado Ministro de Portugal em Berna. Obras: A Morte de D. João (1874), A Musa em Férias (1879), A Velhice do Padre Eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os Simples (1892), Pátria (1896), Oração ao Pão (1903), Oração à Luz (1904), Poesias Dispersas (1920). Em colaboração com Guilherme de Azevedo, escreveu Viagem à Roda da Parvónia.

Outras páginas sobre o autor:

Obras integrais de Guerra Junqueiro

Junqueiro, um espaço na Modernidade

Mais um de Guerra Junqueiro com um desenho meu


As crianças têm medo à noite, às horas mortas,

Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,

Para as levar no bolso ou no capuz dum frade.

Não te rias da infância, ó velha humanidade,

Que tu também tens medo ao bárbaro papão,

Que ruge pela boca enorme do trovão,

Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,

Um papão que não faz a barba há seis mil anos,

E que mora, segundo os bonzos têm escrito,

Lá em cima, detrás da porta do infinito!

O meu cão e o do Guerra Junqueiro. O meu tem sorte e paga imposto


FIEL

Na luz do seu olhar tão lânguido, tão doce,
Havia o que quer que fosse
D’um íntimo desgosto:
Era um cão ordinário, um pobre cão vadio
Que não tinha coleira e não pagava imposto.
Acostumado ao vento e acostumado ao frio,
Percorria de noite os bairros da miséria
Á busca dum jantar.
E ao ver surgir da lua a palidez etérea,
O velho cão uivava uma canção funérea,
Triste como a tristeza ossiânica do mar.
Quando a chuva era grande e o frio inclemente,
Ele ia-se abrigar às vezes nos portais;
E mandando-o partir, partia humildemente,
Com a resignação nos olhos virginais.
Era tranquilo e bom como as pombinhas mansas;
Nunca ladrou dum pobre à capa esfarrapada:
E, como não mordia as tímidas crianças,
As crianças então corriam-no a pedrada.

Uma vez casualmente, um mísero pintor
Um boémio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário cão;
O artista era uma alma heróica e desgraçada,
Vivendo num escura e pobre água furtada,
Onde sobrava o génio e onde faltava o pão.
Era desses que tem o rubro amor da glória,
O grande amor fatal,
Que umas vezes conduz às pompas da vitória,
E que outras vezes leva ao quarto do hospital.

E ao ver por sobre o lodo o magro cão plebeu,
Disse-lhe: - “O teu destino é quase igual ao meu:
Eu sou como tu és, um proletário roto,
Sem família, sem mãe, sem casa, sem abrigo;
E quem sabe se em ti, ó velho cão de esgoto,
Eu não irei achar o meu primeiro amigo!...”

No céu azul brilhava a lua etérea e calma;
E do rafeiro vil no misterioso olhar
Via-se o desespero e ânsia d’uma alma,
Que está encarcerada, e sem poder falar.
O artista soube ler naquele olhar em brasa
A eloquente mudez dum grande coração;
E disse-lhe: - “Fiel, partamos para casa:
Tu és o meu amigo, e eu sou o teu irmão. –“

E viveram depois assim por longos anos,
Companheiros leais, heróicos puritanos,
Dividindo igualmente as privações e as dores.
Quando o artista infeliz, exausto e miserável,
Sentia esmorecer o génio inquebrantável
Dos fortes lutadores;
Quando até lhe acudiu às vezes a lembrança
Partir com uma bala a derradeira esp’rança,
Por um ponto final no seu destino atroz;
Nesse instante do cão os olhos bons, serenos,
Murmura-lhe: - Eu sofro, e a gente sofre menos,
Quando se vê sofrer também alguém por nós. –

Mas um dia a Fortuna, a deusa milionária,
Entrou-lhe pelo quarto, e disse alegremente:
“Um génio como tu, vivendo como um pária,
Agrilhoado da fome à lúgubre corrente!
Eu devia fazer-te há muito esta surpresa,
Eu devia ter vindo aqui p’ra te buscar;
Mas moravas tão alto! E digo-o com franqueza
Custava-me subir até ao sexto andar.
Acompanha-me; a glória há de ajoelhar-te aos pés!...”
E foi; e ao outro dia as bocas das Frinés
Abriram para ele um riso encantador;
A glória deslumbrante iluminou-lhe a vida
Como bela alvorada esplêndida, nascida
A toques de clarim e a rufos de tambor!

Era feliz. O cão
Dormia na alcatifa à borda do seu leito,
E logo de manhã vinha beijar-lhe a mão,
Ganindo com um ar alegre e satisfeito.
Mas aí! O dono ingrato, o ingrato companheiro,
Mergulhado em paixões, em gozos, em delícias,
Já pouco tolerava as festivas carícias
Do seu leal rafeiro.

Passou-se mais um tempo; o cão, o desgraçado,
Já velho e no abandono,
Muitas vezes se viu batido e castigado
Pela simples razão de acompanhar seu dono.
Como andava nojento e lhe caíra o pelo,
Por fim o dono até sentia nojo ao vê-lo,
E mandava fechar-lhe a porta do salão.
Meteram-no depois num frio quarto escuro,
E davam-lhe a jantar um osso branco e duro,
Cuja carne servira aos dentes d’outro cão.

E ele era como um roto, ignóbil assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às galés:
Se se punha a ganir, chorando o seu destino,
Os exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame
criados brutais davam-lhe pontapés.
Corroera-lhe o corpo a negra lepra infame.
Quando exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame
Das moscas das gangrenas.

Até que um dia, enfim, sentindo-se morrer,
Disse ”Não morrerei ainda sem o ver;
A seus pés quero dar meu último gemido...”
Meteu-se-lhe no quarto, assim como um bandido.
E o artista ao entrar viu o rafeiro imundo,
E bradou com violência:
“Ainda por aqui o sórdido animal!
É preciso acabar com tanta impertinência,
Que esta besta está podre, e vai cheirando mal!”
E, pousando-lhe a mão cariciosamente,
Disse-lhe com um ar de muito bom amigo:
“Ó meu pobre Fiel, tão velho e tão doente,
Ainda que te custe anda daí comigo.”

E partiram os dois. Tudo estava deserto.
A noite era sombria; o cais ficava perto;
E o velho condenado, o pobre lazarento,
Cheio de imensas mágoas
Sentiu junto de si um pressentimento
O fundo soluçar monótono das águas.

Compreendeu enfim! Tinha chegado à beira
Da corrente. E o pintor,
Agarrando uma pedra atou-lh’a na coleira,
Friamente cantando uma canção d’amor.

E o rafeiro sublime, impassível, sereno,
Lançava o grande olhar às negras trevas mudas
Com aquela amargura ideal do Nazareno
Recebendo na face o ósculo de Judas.
Dizia para si: “È o mesmo, pouco importa.
Cumprir o seu desejo é esse o meu dever:
Foi ele que me abriu um dia a sua porta:
Morrerei, se lhe dou com isso algum prazer.”

Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe na corrente
O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada lembrança
Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez na vida.

E ao recolher à casa ele exclamava irado:
“E por causa do cão perdi o meu tesouro!
Andava bem melhor se o tenho envenenado!
Maldito seja o cão! Dava montanhas d’oiro,
Dava a riqueza, a glória, a existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso objecto,
Doce recordação daquele amor tão puro.”
E deitou-se nervoso, alucinado, inquieto.
Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido clarão,
Sentiu bater à porta! Ergueu-se e foi abrir.
Recuou cheio de espanto: era o Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime, encharcado,
A tremer e a uivar no último estertor,

Caindo-lhe da boca, ao tombar fulminado,
O gorro do pintor!

Ainda há verde em Macau


Para quem pense que Macau é só cimento e casinos e tráfego (e tráfico) eis aqui o oásis:- Coloane que resiste. Por quanto mais tempo não sei, mas espero que resista.

O olho arguto do granito



O Mundo observa-nos de onde menos esperamos
Quem será esta pedra de granito?
Que guarda a curva deste trilho onde passeamos
Quem é este impenetrável e vetusto monólito
Que fiscaliza a nossa tarde
Que arde
No final do mês de Agosto.
Olho para a rocha rija
Possui claramente um rosto
Que vento escultor a terá feito?
O meu cão pára, alça a pata e mija.
Nesta etapa do passeio
Paro para pensar
Mas o meu cão não tem tempo para estudar
Nem para se preocupar com as minhas angústias ou anseios
Dá meia dúzia de passos
E subitamente pára para cagar.
Era o que ele queria
Depois de comer
Há que passear
O resto é filosofia
Diz o meu cão a ladrar
Viver é comer e brincar
E passear
Que interesse tem uma pedra de granito
Senão
Ocasião
Para eu mijar
E tu meu dono
Parar
Por algum tempo para pensar
Sei lá em quê
Nem me interessa
Há aqui um novo cheiro
Vamos embora depressa

O meu cão e um verso de pé quebrado sobre Coimbra e a China


Esta é uma letra pobre para uma canção emblemática. Mas mesmo assim aqui fica. É um uma espécie de desabafo Oriental.

Macau é uma lição
De antiga tradição
Menina.
Macau encantação
Realidade e ilusão
Cidade pequenina

Macau de todo o Mundo
Sonho de amar profundo

Macau é uma lição
De antiga tradição
Menina
Macau de uma só vez
É um fado português
Na China.

Macau de todo o Mundo
Sonho de amar profundo

Macau é uma lição
De antiga tradição
Menina
Macau é uma cidade
De toda a humanidade
Que no Rio por vaidade
Serpentina.

Macau é uma emoção
De sonho e tradição
É terra sem idade
Em que mais uma vez
Se aprende na verdade
A dizer em chinês
saudade.

Depois deste poema de pé qubrado segue mais uma fotografia do meus cão. Essa é que tem interesse!
O gajo não quer saber de poemas mas apenas de cheiros. Para ele rimar é cheirar o resto não interessa e posso-vos garantir que aqui descobriu um cheiro "supimpa" (de uma cadela, talvez?) Vejam como ele lauda a vida a arrebitar a cauda