Sunday, November 4, 2007

Outra vez (e mais uma vez) o meu cão desenhado a carvão.

Preguiça

A Pérola deste rio é feita de água barrenta
Vai de foz em foras
Sossegada
Às mesmas horas
Vazada
A desaguar ao longe na bruma cinzenta
Que impede o horizonte
E me interdita a vista
A menos de metade do que poderia vislumbrar
Defronte
Noutro horizonte
Céus azuis da Europa
A imaginar
Onde se avista a milhas de distância
Tudo quanto há para avistar.

Mas neste ar
O que é que há para vislumbrar?
Senão a humidade de Maio, chuva e calor.
E a copa
De uma palmeira
Árvore fagueira
Que pouca protecção produz
E nada abriga
Mas que é a única sombra que induz
Nesta aridez
De Sol e luz
Alguma sombra amiga.
É então
Que mais uma vez
Eu me sento com o meu cão
Neste banco de jardim de ocasião
A ver o horizonte
Nublado
Urgentemente parado
Que se nos abre defronte.
Sento-me, distendo-me. Que preguiça...
O meu cão solta também um soluço cansado
E resfolega com a língua de fora e o focinho de lado
Penso para mim: Daqui não saio
(estou farto de ir à liça)
Fico-me aqui até ver o fim de Maio
Escorrer subtil o calor e a humidade
Desta ansiedade
Que há mais de vinte anos levo a rir
Embora bem saiba que tudo se vai repetir
Repleto de calor e humidade
Quente e plano
No próximo ano
Tenho para mim
Que há-de voltar a ser assim.
E é então
Que o meu cão
Me desperta da ansiedade
Num latido sonoro
Que degola o sonho e me acorda à realidade.
Para o meu cão
Não há cansaço nem mágoa
Mas apenas o cheiro da água
E um olfacto de lodo
Neste todo
Lento
Junto do rio barrento
Onde o levo a passear
É então (aqui ressalvo a repetição)
Que aproveito para me espreguiçar
Durante um bocado
Sem ninguém à vista que me possa chamar mal-educado.
Que bela ocasião
Para mim e para o meu cão
De estarmos ambos sozinhos
Sob os azuis anis vizinhos
Rodeados de um horizonte que entardece
Que bom é fazermos os dois o que nos apetece.

João Araújo . 26/06/03

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