Saturday, October 27, 2007

Depois de ter publicado várias fotografias de S. Cosmado é altura de publicar um conto. E o conto é de meu irmão, que conseguiu sintetizar em literatura a história que, não consta da história do Mundo, mas consta de uma tradição idiossincrática de uma pequena aldeia (agora é vila. Viva a democracia e os novos tempos!). Camilo, Aquilino, Brandão e Sousa Costa (este esquecido, sabe-se lá porquê), escreveram contos que provavalmente não constam também dos tempos novos. Queiroz que era refinado demais não consta de certeza nestes novos tempos, tal como Oliveira Martins (velho, velho!...)
Aqui vai o conto de meu irmão sobre S. Cosmado, os seus tipos e a sua história. Uma verdadeira historia da Beira. O caso é particular. Quem se lembra do que aconteceu achará que o contador da história acresce um ponto, Será


CONTO DO VIGÁRIO COM ASSALTO


Cerca das quatro da madrugada o Senhor Magalhães foi estremunhado pelas fortes pancadas do batente em mão de ferro sustentando uma esfera que embate noutra incrustada na ampla e grossa porta de castanho do seu casarão.
Quem o chama alarmado é o Mamoto. Estão-lhe a assaltar a loja, e o povo deu conta e tem o ladrão cercado lá dentro. È preciso correr até Amarais para trazer a Guarda e caçar o ladrão.
O Senhor Magalhães está na posse da carta de condução do Mamoto, que não tendo dinheiro, fez questão de entregar o documento ao Senhor Magalhães como fiança na compra de fazenda fina para um fato, camisas, meias e lenços de seda, tudo da melhor qualidade e preço a condizer.
Sem carta, dizia o Mamoto, o Senhor Magalhães ficava assim certo que não iria ausentar-se para Espanha, onde permanecia longos períodos de tempos a tratar da vida, sem se saber qual. Contava pagar para a outra semana, e só depois partiria para a Espanha.
O Senhor Magalhães a contra gosto aceitou a carta. Sempre era uma garantia, de que o Mamoto talvez pagasse antes de se sumir para além fronteiras.
Na aflição do momento o Senhor Magalhães enfiou o robe do avesso, colocou os grossos óculos de aros de tartaruga, atabalhoadamente espalhou os papeis na secretária, agarrou na carta de condução e lançou-a da janela para as mão ávidas do Mamoto que correu de imediato rua abaixo.
O Ford de oito cilindros em dois minutos já roncava acelerado, iluminando a curva da Torre, e num ápice apagava-se com o Mamoto no silêncio e escuridão da noite. E não voltou mais.
O Senhor Magalhães correu contra o tempo e contra o reumatismo pela escada abaixo e pela rua fora, mas quebrou um instante por fôlego da idade, e foi o bastante para que a razão, qual grilo falante, acordasse nele uma breve suspeita.
Junto a casa comercial um punhado de homens montava sentinela às grossas portas trancadas por dentro, menos a central fechada por duas grossas fechaduras, que foram estruncadas. Os homens impacientes queriam entrar ma loja, mas o Senhor Magalhães procurou detê-los. Era consciente, e embora ansioso de prender o ladrão, queria aguarda pela autoridade prestes a chegar.
O tempo passava entretanto, e a guarda não vinha. O povo excitado era cada vez mais, uma multidão a perder o controle. E não foi mais possível suster o ímpeto com que os mais valentes se precipitaram pela porta adentro, que cedeu de repente, e fez com que o povo entrasse em roldão no negro da loja.
O Galo, de alcunha, sacou de uma pilha e lançou o foco para todos os cantos, o Senhor Magalhães fez brilhar o petromax, outros acenderam velas e a loja foi vasculhada até dentro dos armários de alçapão, do açúcar, do café em grão, do arroz, do feijão e em todos os mais cantos e armários.
Nada!!.
Mas o cofre estava aberto. O Senhor Magalhães fechou-o rapidamente sem ver as faltas. Depois se veria, agora havia muitas mãos e olhos dentro do balcão
Fazia-se dia. A guarda veio, mas chamada pelo telefone público sediado na própria loja também agência dos CTT.
No dia seguinte ou no que já era, os Correios não abriram, nem a mercearia, nem a loja de fazendas, pois tudo acumulava o estabelecimento. O Senhor Magalhães
fazia o balanço da mercadoria e do cofre, e pensava na burla do Ma moto, e na solicitude do Galo, portador de uma pilha, que caiu do céu no escuro da loja, quando o povo entrou de roldão, mas que nunca apontou para quem devia, e estava atrás da porta.
Na cidade de Salamanca uns dias depois, o Mamoto e o Galo, espalhavam dinheiro em botequins, bodegas, jogo e mulheres, sem agora pensar em “trabalhinhos” de risco calculado, e únicos, em que dão um jeito.

Após mais de um ano ter passado, o Senhor Magalhães vê entrar no
estabelecimento, pomposo, elegante de chapéu à espanhola, lenço garrido na lapela, e sorriso largo e cativante nos lábios, o seu velho conhecido.
E mais não conto que é outro conto…. do vigário.Contou um ponto. Mas se não se acrescentar um ponto uma história a história não existe.
Eis a estória: -

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