Friday, February 25, 2011


Que coisa extraordinária é o meu cão.

Não faz nada.

Dorme, come e cala.

Eu não!

Ou nem sempre talvez...

Comigo é vezes sim, outras não.

Um compromisso de ocasião.

Para o meu cão

Não!

É sempre assim.

Tem sede vai beber

Tem fome

Come

Sou eu que lhe dou

A água e a ração.

E ele nem sequer agradece

A esta minha permanente disponibilidade.

Responde-me ele

(Ou eu próprio a mim).

- A vida é assim! gostas de mim!

E eu, evidentemente dele é verdade.

E é tudo.

Não me dás água e pão por caridade

Dás-me simplesmente

Sem interrogações,

Nem obrigações

Inúteis

Fico com o que queres, ou o que reste (principalmente quando não há dinheiro)

Ossos, ou migalhas, não importa. Não sou, como sabes, interesseiro.

O que interessa é que gostas de mim.

Eu de ti gosto obviamente.

Por isso tens-me por aqui sempre presente

A abanar a cauda e a ladrar sem tino

A recordar-te o tempo em que eras pequenino

Quando não pensavas, verdadeiramente, em nada.

É como se apresenta a vida para nós os dois.

Eu que sou velho e cão

Sou sempre pequenino como tu ainda és.

O Mundo para ti será sempre uma charada.

Para mim não.

Não te esgotes em especulações fúteis

Nem em quês e porquês.

O amor nasce connosco de enxurrada

Mas limpa e aclara as coisas úteis

Quando nas emoções

se intrometem razões urgentes, ou simplesmente é preciso

Estás a ver?

E principalmente as que são fundamentais para viver.

Por muito que tu penses – acrescenta o meu cão -

O Mundo é sempre justo, racional, conciso.

Deus surge inevitavelmente e sempre na ocasião

Para resolver o que é preciso.

Não te preocupes. Não és o meu patrão

És o meu dono e íntimo amigo

As dívidas que não tenho para contigo

Não tas pago sabes bem!

As que tens, com outros deixa lá que outros as pagarão.

Vai dormir. É tarde

Amanhã tens que trabalhar

Eu não

Durmo e acordo quando calha

Como compete a qualquer cão de guarda ou de vigia

Tu, meu dono, não.

Para ti a vida é umas vezes um drama outras uma elegia,

Ou apenas novo dia que se aguarda

E resguarda.

Para mim não

A vida é unicamente o momento exacto

Em que chegas a casa

E brincas comigo

Para mim não existe tempo meu amigo

Tudo se extravasa

Em amor e alegria nesse pequeno acto

De ocasião

Nesse momento de lucubração

O meu cão

Subtil se esgueira para o quarto enquanto visto o pijama

Deita-se de quatro no tapete

E eu na cama.

Encerramos nessa altura a cortina do mundo

Eu e o meu cão anónimos, felizes, caímos os dois em sono profundo.

J. Guedes

25 Janeiro 2011

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