E assim me enterrei
Na neve branca com que subitamente me deparei
quando saía de casa.
Tinha cinco anos? Não sei.
Mas a verdade é que feliz de mim me lancei
Como num golpe de cartas nessa vaza
Quando era criança feliz
E se me quebrou a asa
De anjo pequenino.
Afoguei-me, ofeguei-me, cansei-me.
Que coisa instante bela irrepetível
Submergir e depois emergir no meio da neve
Leve.
Que coisa feliz!...
Vós que nasceis
noutros tempos e noutras latitudes
Nunca sabereis
o que foi afogar-me
Na leveza leve da neve
Nesse nevão de criança de mil novecentos e cinquenta e seis.
Tinha cinco anos de idade
E na verdade
Ainda hoje não me lembro bem se foi assim, ou não
Enfim!...
Mas recordo que tinha cinco anos de idade
Isso é atestada autenticidade
Nos registos da meteorologia oficial e da neve profunda
Leve
Que caía sem registos nem vistos
Como a neve
Que livre se reconhece em flocos e cai como deve
Segundo as leis da física
E onde me enterrei e me afoguei e esbracejei
E já lá vão, anos e arcanos
tempos que levamos
Sem saber se foi de facto assim, ou não
Sim! Passaram décadas e anos
Passaram tantos anos!
E assim.
Assim!...
Desses tempos, nascentes
E esmorecentes
Me deportei e departei
Afinal todos, dia a dia, de nós próprios nos zarpamos
de absortos portos.
Do que recordo ao certo já não sei.
Que aborrecimento é esta coisa de passarem os anos.
J. Guedes
Domingo 26 de Dezembro de 2010
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