Friday, February 25, 2011



E assim me enterrei

Na neve branca com que subitamente me deparei

quando saía de casa.

Tinha cinco anos? Não sei.

Mas a verdade é que feliz de mim me lancei

Como num golpe de cartas nessa vaza

Quando era criança feliz

E se me quebrou a asa

De anjo pequenino.

Afoguei-me, ofeguei-me, cansei-me.

Que coisa instante bela irrepetível

Submergir e depois emergir no meio da neve

Leve.

Que coisa feliz!...

Vós que nasceis

noutros tempos e noutras latitudes

Nunca sabereis

o que foi afogar-me

Na leveza leve da neve

Nesse nevão de criança de mil novecentos e cinquenta e seis.

Tinha cinco anos de idade

E na verdade

Ainda hoje não me lembro bem se foi assim, ou não

Enfim!...

Mas recordo que tinha cinco anos de idade

Isso é atestada autenticidade

Nos registos da meteorologia oficial e da neve profunda

Leve

Que caía sem registos nem vistos

Como a neve

Que livre se reconhece em flocos e cai como deve

Segundo as leis da física

E onde me enterrei e me afoguei e esbracejei

E já lá vão, anos e arcanos

tempos que levamos

Sem saber se foi de facto assim, ou não

Sim! Passaram décadas e anos

Passaram tantos anos!

E assim.

Assim!...

Desses tempos, nascentes

E esmorecentes

Me deportei e departei

Afinal todos, dia a dia, de nós próprios nos zarpamos

de absortos portos.

Do que recordo ao certo já não sei.

Que aborrecimento é esta coisa de passarem os anos.

J. Guedes

Domingo 26 de Dezembro de 2010

No comments: