Friday, February 25, 2011

Pequena variação sobre o poema anterior


O Meu cão realista


Dizem que os cães vêm e pressentem

Serão animais místicos esses cães inventados pela literatura?

O meu não vê nem pressente nada.

Acorda, de madrugada

Brinca cheira, ladra

Abana a cauda

Durante o dia, enquanto o dia dura

E, sem dizer nada

(mal educado, pode dizer-se) pelos padrões do dono

enrosca-se em sono

Bem profundo sono, mal termina

E finda

A ultima jornada.

E fica no abandono

Do seu palácio sofá da sala de jantar

Pronto para acordar

Feliz no dia seguinte.

Às vezes cedendo, eu, ao que se diz

Ser dos cães presciência

Em intervalo de serão

Entre a leitura de um livro e olhadela de soslaio à televisão

E do mundo real em momentânea ausência,

Falo com ele sobre filosofia.

Mas ele abre os grandes olhos pestanudos

Fixa-me e responde que prefere os filósofos mudos

E deixa-se de novo dormir.

Pelo que vejo, quotidianamente,

(ou seja de quando em vez)

O meu cão não vê nem pressente.

Limita-se, a ser ele

Pessoal e com próprio nome mês atrás de mês (já lá vão anos).

Reage, naturalmente, à sede ao frio e à fome

Como qualquer ser vivo

O meu cão

Que encaro sempre como o último dos “moicanos”

Que dorme junto à minha mão

No sofá.

Que não sente nem pressente

Mas àh...!...

Quando um ruído o desperta

Aí vai ele à descoberta

Levanta-se grave

Estica as patas.

Eu, expectante (nessas alturas), olho-o de soslaio

Entendeu alguma manifestação

metafísica de ocasião

Que me escapou?

Terá a doença da velhice e ter-lhe-há dado algum final desmaio?

Não!

Para o meu cão

Não há metafísica, nem sentimentos tolos como depressão

Saudade, ou mágoa

O meu cão

levantou-se,

Espreguiçou-se,

Esgueirou-se pela sala

E foi apenas beber água.

Que filósofo colossal

É sempre nessa repetida ocasião

O meu cão

Que não sente nem pressente

Aliás tem cataratas e já ouve mal

E mal sente

A gente

vizinha que se extravasa

Em ruídos quotidianos.

Interessa-me lá o que se passa fora de casa! (Diz ele)

Já levo tantos anos

De te guardar

Meu dono!

Já bebi a minha água

Deixa-te de imaginar

Quero regressar ao sono

É fora de horas

Vê bem.

Tudo dorme

Apaga a luz e vai dormir também.

J. Guedes

25 Janeiro 2011

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