Tenho no Douro a impressão de estar vazio.
Persistente esta sensação aguada
Liquida, alcandorada
Em mim
Lá no fundo, bem no fundo da ravina
Deve ser frio
No Inverno
Mas hoje que calor!... Água é coisa que não há
Não se vê uma fonte. Que inferno!....
Esta terra é escura de cor indefinida
É tudo denso aqui. É tudo exagerado!
A morte o trabalho, o clima, a vida.
Naquela curva do rio
Morreu o Barão de Forrester
Numa batalha na ponte de um navio contra o inimigo nas ondas do alto mar?
Não!
Ali não era a Mancha, nem havia espaço entre alcantis para Trafalgar.
Foi num barco rabelo no caminho de regresso vindo de passear
O barão afogou-se em água nas terras do vinho
Para salvar a namorada que descuidada caiu da amurada
Pelos baixos do Pocinho.
Nessa mesma altura atavam o escrivão Guedes
À cauda de um cavalo e arrastavam-no pela vila de S. João da Pesqueira
Morreu ignobilmente
Dessa maneira
Na guerra civil
Injustiçado ingente
Na guerra civil
Em crucial ponto
Mas o que aconteceu ao escrivão
Não merece menção, nem influiu no curso da Nação
Morreu e pronto!...
São pequenas tragédias da história
O escrivão Guedes morreu em contraponto
E a memória conserva apenas a do barão.
Forrester morreu a salvar a sua dama
Depois de um pic-nic
No meio do rio entre falésias a pique.
A sua espada permanece encravada entre duas rochas de granito
A comemorar o feito
Hoje resta um ferro enferrujado
Submerso nas águas de uma barragem que rememora o drama.
Mas neste leito do Cachão da Valeira há um infinito.
Há um infinito lamento
Um drama mais ingentes, um dilema mais profundo
Que fica entre o que é e o que não é lembrado
Nas tragédias do Mundo.
João Guedes. 1975
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