Tuesday, June 22, 2010

Dramas esquecidos nas memórias do Douro

O penhasco

barão de Forrester
e a minha impressão do Douro: -

Tenho no Douro a impressão de estar vazio.

Persistente esta sensação aguada

Liquida, alcandorada

Em mim

Lá no fundo, bem no fundo da ravina

Deve ser frio

No Inverno

Mas hoje que calor!... Água é coisa que não há

Não se vê uma fonte. Que inferno!....

Esta terra é escura de cor indefinida

É tudo denso aqui. É tudo exagerado!

A morte o trabalho, o clima, a vida.

Naquela curva do rio

Morreu o Barão de Forrester

Numa batalha na ponte de um navio contra o inimigo nas ondas do alto mar?

Não!

Ali não era a Mancha, nem havia espaço entre alcantis para Trafalgar.

Foi num barco rabelo no caminho de regresso vindo de passear

O barão afogou-se em água nas terras do vinho

Para salvar a namorada que descuidada caiu da amurada

Pelos baixos do Pocinho.

Nessa mesma altura atavam o escrivão Guedes

À cauda de um cavalo e arrastavam-no pela vila de S. João da Pesqueira

Morreu ignobilmente

Dessa maneira

Na guerra civil

Injustiçado ingente

Na guerra civil

Em crucial ponto

Mas o que aconteceu ao escrivão

Não merece menção, nem influiu no curso da Nação

Morreu e pronto!...

São pequenas tragédias da história

O escrivão Guedes morreu em contraponto

E a memória conserva apenas a do barão.

Forrester morreu a salvar a sua dama

Depois de um pic-nic

No meio do rio entre falésias a pique.

A sua espada permanece encravada entre duas rochas de granito

A comemorar o feito

Hoje resta um ferro enferrujado

Submerso nas águas de uma barragem que rememora o drama.

Mas neste leito do Cachão da Valeira há um infinito.

Há um infinito lamento

Um drama mais ingentes, um dilema mais profundo

Que fica entre o que é e o que não é lembrado

Nas tragédias do Mundo.


João Guedes. 1975

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