A inspiração vai-se sumindo
De mim a inspiração vai-se sumindo
Fazer poemas é cada vez mais raro
O Mundo é cru estúpido, mal vindo
E eu neste momento da vida o passo paro.
A madrugada surge devagar a Oriente
Perdi acordado uma noite inteira.
(por obrigação estive a escrever prosa para um jornal)
Olho de soslaio para a janela ingente
Através da qual o Sol se esteira.
Creio que o artigo me saiu menos mal
Ao menos que me paguem pelas horas que gastei
A juntar palavras e exarar opinião.
Mas essa perda de tempo não é a questão.
O problema sou eu.
O nascer do dia surge
Logo a seguir ao lusco-fusco - madrugada bela
E há um rio afluente
E há um assobio de pássaro - ouço além uma cantarela.
Será uma cigarra lírica, ou apenas o ruído prosaico
Do quotidiano que é sempre onomatopaico.
E o Mundo, sempre de certo modo ausente
Na sonolência ligeira
Que me sobrevem
Torna-se mais uma vez presente.
O que me ficou verdadeiramente
Por fazer não o digo a ninguém.
Perdi o meu passeio.
Ontem devia caminhar, mas não o fiz
Preferi gastar uma meia - noite de tempo em falaz seio
E casar por momentos com uma lua de verniz
Adormeço.
Adormeço a meia-tarde!
Vejam lá!
A inspiração sumiu-se
Já não me apetece poetar
Mas passear
No onírico mundo infindo
Por onde posso imaginar.
Que durmo e não estou e não me culpo por tardar
E me ter esquecido ontem de passear
(passear meia-hora por dia, pelos menos, é o que o meu médico recomenda para a minha doença)
Mas de repente acontece.
Acordo!
A sesta foi-se e o Sol arde
E eu ainda meio a dormir naquele seio
Pintado de branco giz
Verifico que foi apenas um passeio
Que não fiz.
Lavo a cara. Olho para o relógio.
Estarei atrasado para entrar a horas no emprego?
Não. Não tenho horário fixo.
Há que sossegar!
O mundo foi-se num ápice e já são outra vez horas de jantar
Que mundo este o de imaginar
João Guedes