Boxer, Charles Ralph
Por João Guedes
Professor emérito da faculdade de estudos portugueses do King’s Colledge de Londres perfila-se como o maior historiador da expansão marítima oriental portuguesa iniciada no século XV. Nasceu na ilha de Wight no dia 8 de Março de 1904 e faleceu em Londres no dia 27 de Abril de 2000, com 96 anos de idade. Descendia de uma família de tradição naval. Seu avô tinha sido oficial de marinha e Charles Boxer não conseguiu ingressar naquela arma devido apenas ao facto de usar óculos. Por isso acabaria por ingressar na academia do exército de Sandhurst concluindo o curso como segundo tenente em 1923. Durante alguns anos prestou serviço na Irlanda até ser designado em 1930 para o Japão a fim de servir como oficial interprete na missão militar inglesa naquele país. Em 1936 transitou para os serviços de inteligência militar em Hong Kong onde serviu até Dezembro de 1941 data em que os japoneses ocuparam aquele território. Ferido em combate esteve prisioneiro num campo de concentração (em Cantão) até ser libertado no final da guerra e enviado de novo em missão ao Japão em 1946 de novo como adido militar. Em 1947 desligou-se do serviço militar obtendo a regência da cadeira de estudos portugueses na Universidade de Londres.
Condecorado pelo governo português com a grã cruz da Ordem de S. Tiago da Espada e Grã Cruz da Ordem do Infante publicou aos 18 anos de idade o seu primeiro estudo sobre a história de Macau sendo autor de mais de 350 trabalhos sobre a expansão portuguesa, espanhola e holandesa a Oriente na era moderna.
Apesar de não ser um académico na acepção formal do termo, começou a interessar-se sobre a expansão marítima portuguesa e holandesa enquanto serviu, nos primeiros anos no Extremo Oriente, depois de ter contactado com elementos civis e militares holandeses na Indonésia. Em 1926 publicou os seus primeiros artigos sobre o tema, mas seria em 1930 que escreveria o seu primeiro trabalho académico: uma tradução dos “Comentários de Ruy Freire de Andrade”. Nesse tempo nada, ou quase nada era conhecido sobre a saga dos portugueses, japoneses e holandeses no Extremo-Oriente, nos meios universitários de língua inglesa, mas também nos de língua portuguesa. Servindo-se do facto de ser um oficial dos serviços de inteligência da Grã Bretanha, Charles Boxer, maximizou o seu interesse pela história utilizando os seus contactos no Extremo Oriente, mas particularmente em Macau onde cultivou um conjunto de amizades junto dos círculos intelectuais macaenses, que lhe permitiram não só reunir um conjunto de informações de carácter histórico, mas também adquirir um acervo de documentos originais e livros de diversa índole que lhe permitiram reunir em pouco tempo uma biblioteca invejável sobre o tema geral da expansão europeia no Extremo Oriente que prosseguia. Após a sua captura pelos japoneses em 1941, a sua biblioteca foi considerada como tendo interesse de estado pelos japoneses, apreendida e enviada para Tóquio. Terminada a guerra, Boxer, graças à cooperação do governo britânico conseguiria reaver o seu espólio, excepto um livro, que não constou do documento de apreensão japonês. Esse livro, veio a saber depois, tinha ficado nas mãos de um oficial japonês e somente viria a recupera-lo décadas mais tarde, já nos anos sessenta recompletando assim a biblioteca da sua juventude.
A nomeação de Charles Boxer para a regência da Cadeira Portuguesa de Camões no King´s College foi um evento memorável tendo em conta a sua falta de credenciais académicas. Todavia certo é que em 1947, Boxer seria nomeado para reger a faculdade sucedendo ao professor George Young, fundador da Faculdade e ao seu sucessor Edgar Prestage em 1947. Tratou-se de uma atitude inédita das autoridades universitárias do King´s College, tendo em conta que Boxer não possuía grão académico. Apenas tinha publicado uma obra e nunca tinha sido professor. Apesar disso, Boxer, não só era admitido como regente da cadeira de Prestage, como seria, em 1951, incumbido de reger o Departamento de Estudos Orientais e Africanos da universidade, que dirigiria até 1953.
Retirado do exército e dedicado à universidade, Boxer escreveu a primeira das suas grandes monografias intitulada: - “Fidalgos in the Far East”. Essa monografia constituiu uma súmula alargada e aprofundada dos trabalhos avulso que tinha escrito anteriormente e publicado em diversos jornais da especialidade. Logo a seguir publicou “The Christian Century in Japan” (1951) e no ano seguinte a obra “Salvador Correa de Sá and the Struggle for Brazil and Angola”(1952. “Os Holandeses no Brazil” seria a obra complementar que surgiria à estampa em 1957. “The Great Ship from Amagon” (A grande Nau de Macau) seria o seu estudo seguinte dedicado ao tráfico das sedas da China e da prata do Japão no século XVI que tinha como centro nevrálgico Macau e que surgiria em letra de forma em 1959. Na sequência dessa obra Boxer produziria um outro livro sobre a idade do ouro do Brasil em 1962, que continua por traduzir em língua portuguesa.
Firmada a sua reputação em Inglaterra com a série de obras publicadas a que se fez referência Boxer seria naturalmente nomeado membro da Academia Britânica e o seu contributo requisitado por várias universidades nomeadamente da Holanda e dos Estados Unidos da América. Assim, passou a ser professor convidado da Universidade americana de Indiana (1967) e de Yale, onde regeria a cadeira de Estudos da Expansão Europeia Ultramarina (1969).
Do ponto de vista pessoal, Charles Boxer viveu uma vida plena de aventuras tendo em conta o facto de ser um elemento dos Special Inteligence Service da Grã Bretanha. Foi essa condição que lhe permitiu, nomeadamente em Macau fazer amigos junto de um círculo de intelectuais macaenses dos anos 30, nomeadamente Jack Braga, Silva Mendes, Vicente Jorge e outros que contribuíram para que conseguisse testemunhos históricos e fontes documentais portuguesas do Extremo Oriente a que de outro modo nunca teria tido acesso.
Segundo um dos seus biógrafos, Boxer foi tudo quanto se pode ser no domínio da história: “autor, biógrafo, editor, bibliógrafo, arquivista, catalogador tradutor e revisor”. Para além disso, a concepção de história de Charles Boxer ultrapassava qualquer ponto de vista pessoal preferindo transmitir factos partindo dos documentos originais a que tinha acesso, segundo outro dos seus biógrafos. Neste ponto porém é importante salientar que uma nova escola de historiadores contesta esse comentário historiográfico que, alegadamente apenas, tem em vista “absolver” Charles Boxer das suas posições “conservadoras. Esse ponto de vista é subscrito nomeadamente pelo historiador indiano Sanjai Subramanyan, que afirma que Boxer não representa mais do que uma velha escola de historiadores que relatavam a história baseados apenas nos documentos coloniais, sem cuidar de consultar fontes e documentos autóctones cujas línguas desconheciam. Saliente-se, todavia que, para além de dominar o inglês (sua língua materna), Boxer falava e lia japonês, português e holandês, embora não falasse fluentemente estas duas últimas. Todavia, saliente-se também, que conseguia ler manuscritos dos séculos XVI e XVII em português e holandês, faculdade que não se encontra ao alcance de muitos historiadores e que por vezes constitui apenas domínio de alguns paleógrafos.
Para além das obras mencionadas, Charles Ralph Boxer escreveu também os seguintes livros e ensaios, entre outros: - O 24 de Junho. Uma façanha dos portugueses (1926); Relação da perda da nau “Madre de Deus” (1927); The Siege of Fort Zeeland and the Capture of Formosa from Dutch (1927); Subsídios para a História dos Português no Japão (1927-1928); A Portuguese embassy to Japan, 1644-1647 (1928); Notes on early European military influence in Japan (1931); European influence on Japanese sword fittings, 1543-1853 (1931); Dutch Seaborne Empira 1600 – 1800; Church Militant & Iberian Expansion, 1440-1770; Dutch Merchants & Mariners in Ásia, 1602-1795; From Lisbon to Goa, 1500-1750; Studies in Portuguese Maritime Enterprise; Portuguese Conquest & Comerce in Southern Ásia, 1500-1750; Portuguese Embassy to Japan (1644-1647); Portuguese Merchants & Missionaries in Feudal japan 1543-1640; Race Relations in the Potuguese Colonial Empire, 1415-1825. Relativamente a este último livro mencionado de salientar que seria a obra que incorreria nas iras do regime de Salazar em Portugal e que levaria a que o governo português chefiado pelo então ditador (1931-1968) lhe retirasse as condecorações que lhe tinha anteriormente autorgado pela sua obra como historiador da expansão portuguesa ultramarina. Boxer seria no entanto reabilitado posteriormente à revolução de 25 de Abril de 1974 sendo-lhe não só restituídas as medalhas concedidas durante a vigência do Estado Novo como atribuído o novo tributo da Ordem do Infante pelo presidente Mário Soares em cerimónia solene realizada em Lisboa.
Por João Guedes
Professor emérito da faculdade de estudos portugueses do King’s Colledge de Londres perfila-se como o maior historiador da expansão marítima oriental portuguesa iniciada no século XV. Nasceu na ilha de Wight no dia 8 de Março de 1904 e faleceu em Londres no dia 27 de Abril de 2000, com 96 anos de idade. Descendia de uma família de tradição naval. Seu avô tinha sido oficial de marinha e Charles Boxer não conseguiu ingressar naquela arma devido apenas ao facto de usar óculos. Por isso acabaria por ingressar na academia do exército de Sandhurst concluindo o curso como segundo tenente em 1923. Durante alguns anos prestou serviço na Irlanda até ser designado em 1930 para o Japão a fim de servir como oficial interprete na missão militar inglesa naquele país. Em 1936 transitou para os serviços de inteligência militar em Hong Kong onde serviu até Dezembro de 1941 data em que os japoneses ocuparam aquele território. Ferido em combate esteve prisioneiro num campo de concentração (em Cantão) até ser libertado no final da guerra e enviado de novo em missão ao Japão em 1946 de novo como adido militar. Em 1947 desligou-se do serviço militar obtendo a regência da cadeira de estudos portugueses na Universidade de Londres.
Condecorado pelo governo português com a grã cruz da Ordem de S. Tiago da Espada e Grã Cruz da Ordem do Infante publicou aos 18 anos de idade o seu primeiro estudo sobre a história de Macau sendo autor de mais de 350 trabalhos sobre a expansão portuguesa, espanhola e holandesa a Oriente na era moderna.
Apesar de não ser um académico na acepção formal do termo, começou a interessar-se sobre a expansão marítima portuguesa e holandesa enquanto serviu, nos primeiros anos no Extremo Oriente, depois de ter contactado com elementos civis e militares holandeses na Indonésia. Em 1926 publicou os seus primeiros artigos sobre o tema, mas seria em 1930 que escreveria o seu primeiro trabalho académico: uma tradução dos “Comentários de Ruy Freire de Andrade”. Nesse tempo nada, ou quase nada era conhecido sobre a saga dos portugueses, japoneses e holandeses no Extremo-Oriente, nos meios universitários de língua inglesa, mas também nos de língua portuguesa. Servindo-se do facto de ser um oficial dos serviços de inteligência da Grã Bretanha, Charles Boxer, maximizou o seu interesse pela história utilizando os seus contactos no Extremo Oriente, mas particularmente em Macau onde cultivou um conjunto de amizades junto dos círculos intelectuais macaenses, que lhe permitiram não só reunir um conjunto de informações de carácter histórico, mas também adquirir um acervo de documentos originais e livros de diversa índole que lhe permitiram reunir em pouco tempo uma biblioteca invejável sobre o tema geral da expansão europeia no Extremo Oriente que prosseguia. Após a sua captura pelos japoneses em 1941, a sua biblioteca foi considerada como tendo interesse de estado pelos japoneses, apreendida e enviada para Tóquio. Terminada a guerra, Boxer, graças à cooperação do governo britânico conseguiria reaver o seu espólio, excepto um livro, que não constou do documento de apreensão japonês. Esse livro, veio a saber depois, tinha ficado nas mãos de um oficial japonês e somente viria a recupera-lo décadas mais tarde, já nos anos sessenta recompletando assim a biblioteca da sua juventude.
A nomeação de Charles Boxer para a regência da Cadeira Portuguesa de Camões no King´s College foi um evento memorável tendo em conta a sua falta de credenciais académicas. Todavia certo é que em 1947, Boxer seria nomeado para reger a faculdade sucedendo ao professor George Young, fundador da Faculdade e ao seu sucessor Edgar Prestage em 1947. Tratou-se de uma atitude inédita das autoridades universitárias do King´s College, tendo em conta que Boxer não possuía grão académico. Apenas tinha publicado uma obra e nunca tinha sido professor. Apesar disso, Boxer, não só era admitido como regente da cadeira de Prestage, como seria, em 1951, incumbido de reger o Departamento de Estudos Orientais e Africanos da universidade, que dirigiria até 1953.
Retirado do exército e dedicado à universidade, Boxer escreveu a primeira das suas grandes monografias intitulada: - “Fidalgos in the Far East”. Essa monografia constituiu uma súmula alargada e aprofundada dos trabalhos avulso que tinha escrito anteriormente e publicado em diversos jornais da especialidade. Logo a seguir publicou “The Christian Century in Japan” (1951) e no ano seguinte a obra “Salvador Correa de Sá and the Struggle for Brazil and Angola”(1952. “Os Holandeses no Brazil” seria a obra complementar que surgiria à estampa em 1957. “The Great Ship from Amagon” (A grande Nau de Macau) seria o seu estudo seguinte dedicado ao tráfico das sedas da China e da prata do Japão no século XVI que tinha como centro nevrálgico Macau e que surgiria em letra de forma em 1959. Na sequência dessa obra Boxer produziria um outro livro sobre a idade do ouro do Brasil em 1962, que continua por traduzir em língua portuguesa.
Firmada a sua reputação em Inglaterra com a série de obras publicadas a que se fez referência Boxer seria naturalmente nomeado membro da Academia Britânica e o seu contributo requisitado por várias universidades nomeadamente da Holanda e dos Estados Unidos da América. Assim, passou a ser professor convidado da Universidade americana de Indiana (1967) e de Yale, onde regeria a cadeira de Estudos da Expansão Europeia Ultramarina (1969).
Do ponto de vista pessoal, Charles Boxer viveu uma vida plena de aventuras tendo em conta o facto de ser um elemento dos Special Inteligence Service da Grã Bretanha. Foi essa condição que lhe permitiu, nomeadamente em Macau fazer amigos junto de um círculo de intelectuais macaenses dos anos 30, nomeadamente Jack Braga, Silva Mendes, Vicente Jorge e outros que contribuíram para que conseguisse testemunhos históricos e fontes documentais portuguesas do Extremo Oriente a que de outro modo nunca teria tido acesso.
Segundo um dos seus biógrafos, Boxer foi tudo quanto se pode ser no domínio da história: “autor, biógrafo, editor, bibliógrafo, arquivista, catalogador tradutor e revisor”. Para além disso, a concepção de história de Charles Boxer ultrapassava qualquer ponto de vista pessoal preferindo transmitir factos partindo dos documentos originais a que tinha acesso, segundo outro dos seus biógrafos. Neste ponto porém é importante salientar que uma nova escola de historiadores contesta esse comentário historiográfico que, alegadamente apenas, tem em vista “absolver” Charles Boxer das suas posições “conservadoras. Esse ponto de vista é subscrito nomeadamente pelo historiador indiano Sanjai Subramanyan, que afirma que Boxer não representa mais do que uma velha escola de historiadores que relatavam a história baseados apenas nos documentos coloniais, sem cuidar de consultar fontes e documentos autóctones cujas línguas desconheciam. Saliente-se, todavia que, para além de dominar o inglês (sua língua materna), Boxer falava e lia japonês, português e holandês, embora não falasse fluentemente estas duas últimas. Todavia, saliente-se também, que conseguia ler manuscritos dos séculos XVI e XVII em português e holandês, faculdade que não se encontra ao alcance de muitos historiadores e que por vezes constitui apenas domínio de alguns paleógrafos.
Para além das obras mencionadas, Charles Ralph Boxer escreveu também os seguintes livros e ensaios, entre outros: - O 24 de Junho. Uma façanha dos portugueses (1926); Relação da perda da nau “Madre de Deus” (1927); The Siege of Fort Zeeland and the Capture of Formosa from Dutch (1927); Subsídios para a História dos Português no Japão (1927-1928); A Portuguese embassy to Japan, 1644-1647 (1928); Notes on early European military influence in Japan (1931); European influence on Japanese sword fittings, 1543-1853 (1931); Dutch Seaborne Empira 1600 – 1800; Church Militant & Iberian Expansion, 1440-1770; Dutch Merchants & Mariners in Ásia, 1602-1795; From Lisbon to Goa, 1500-1750; Studies in Portuguese Maritime Enterprise; Portuguese Conquest & Comerce in Southern Ásia, 1500-1750; Portuguese Embassy to Japan (1644-1647); Portuguese Merchants & Missionaries in Feudal japan 1543-1640; Race Relations in the Potuguese Colonial Empire, 1415-1825. Relativamente a este último livro mencionado de salientar que seria a obra que incorreria nas iras do regime de Salazar em Portugal e que levaria a que o governo português chefiado pelo então ditador (1931-1968) lhe retirasse as condecorações que lhe tinha anteriormente autorgado pela sua obra como historiador da expansão portuguesa ultramarina. Boxer seria no entanto reabilitado posteriormente à revolução de 25 de Abril de 1974 sendo-lhe não só restituídas as medalhas concedidas durante a vigência do Estado Novo como atribuído o novo tributo da Ordem do Infante pelo presidente Mário Soares em cerimónia solene realizada em Lisboa.
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