Monday, May 24, 2010

Subsídio para História da Maçonaria em Macau



A história da Maçonaria, em Macau, tem início oficial e formal em 1909 ano em que a “Loja Luís de Camões II” sob a égide do GOL ergueu Colunas.
Segundo o historiador Oliveira Marques, a “Loja Luís de Camões”, resultou da instalação anterior de um triângulo do REAA, da iniciativa da loja “Pró Veritate” de Coimbra, com o Nº.90. Todavia a história da Ordem em Macau remonta a mais de um século antes do início regular de actividades da “Loja Luís de Camões”.
De facto, a data apontada para a Chegada da Maçonaria A Macau é a segunda metade do ano de 1759, com a vinda do navio “Prince Carl” da Companhia Sueca das Índias Orientais.
Os maçons que aportaram nesse navio traziam uma carta patente que lhes permitia reunirem-se em loja em qualquer porto a que atracassem. E assim o fizeram.
Segundo relatos históricos subscritos e publicados, nomeadamente, pelo Zetland Hall de Hong Kong, essa primeira loja laborou em Cantão, na China.
Embora aceitando tal informação como boa, atribuindo a Cantão o primeiro local de labor maçónico regular no Extremo Oriente, parece-nos que a história oficial (de fontes inglesas) contém uma omissão que deve de ser corrigida.
Efectivamente, ainda que não se conheçam documentos comprovativos, tudo leva a crer que a tal loja constituída por comerciantes e marinheiros suecos, não só funcionou, como poderá mesmo ter funcionado antes, em Macau. Isto pelos seguintes factos:
Primeiro, porque todos os navios estrangeiros que demandavam à China, nessa época, tinham que, obrigatoriamente, aportar inicialmente, a Macau, local onde aguardavam, por vezes muitos meses, autorização para entrar no porto da vizinha capital da província de Cantão.
Emblema da “Companhia Sueca das Índias Orientais, a que pertencia o navio “Prince Carl”, a bordo do qual viajavam maçons autorizados por “carta patente”, a reunir em loja em qualquer porto onde aportassem.

Segundo, porque todos os estrangeiros autorizados a comerciar em Cantão apenas ali podiam permanecer metade do ano, passando a outra metade em Macau.
Tendo em conta o que se disse parecem restar poucas dúvidas de que Macau foi o primeiro porto de acolhimento da Maçonaria na China, “malgré tout”.
Nesta ordem de ideias pode afirmar-se com algum grau de segurança que a Loja “Amity” com o número 407 que consta da lista de oficinas pertencentes à "Primeira Grande Loja de Inglaterra" do ano de 1768, funcionou de facto em Macau.
As actividades desta loja Estão escassamente documentadas, sabendo-se apenas que cessou a sua existência em 1812, por falta de pagamento do dízimo regularmente devido à loja mãe de Inglaterra.
Acresce ainda dizer que um interessado (Mike Earn, 4104), nos fez chegar a informação de que existe uma obra publicada no início do século XX, ou finais do século XIX, denominada “ Free Masonry In China”, em que o autor afirma que a referida loja, reunia de facto em Macau (no entanto até agora ainda não conseguimos descobrir nos alfarrabistas e bibliotecas tal obra.
A “Amity” deixa de surgir na lista das lojas da “Premiere Grand Lodje of England” na referida data de 1812, não se sabendo, ao certo porquê.
Depois da "Amity", não se conhece qualquer documento, ou fonte segura que refira a existência de qualquer outra loja, ou triângulo em Macau, durante a primeira metade do século XIX.
Existe, todavia notícia de que obreiros, provavelmente de origem americana se reuniam regularmente numa oficina pertencente à "Grande Loja do Alabama". Não se sabe no entanto em que época do século XIX tal loja operou, quando ergueu, ou quando abateu colunas.
A ausência de documentos explícitos, ou oficiais oculta a existência regular da Maçonaria em Macau, durante esse período. Todavia tal facto não significa que a Maçonaria organizada tenha estado ausente da vida do território.

Bocage e a Sociedade da Rosa

De facto se não se pode falar de Maçonaria na acepção formal, pode falar-se de maçons que viveram e trabalharam em Macau, desde pelo menos a segunda metade do século XVIII, deixando, algumas marcas relevantes da sua passagem.
Manuel Maria Barbosa du Bocage, o célebre sonetista foi um deles. A propósito da sua figura podemos dizer que teria mesmo introduzido, ou pelo menos integrado durante a sua passagem pelo território, uma denominada “Sociedade da Rosa”, instituição andrógina para-maçónica, que tinha como grã-mestra a poetisa portuguesa Marquesa d'Alorna.
“A Sociedade da Rosa” seria desmantelada pelo intendente Pina Manique, que apreendeu os documentos da organização, que se encontravam na posse da Marquesa no seu palácio de Benfica, então arredores de Lisboa.




A ofensiva do célebre intendente da polícia de D. Maria I, levou ao exílio a Marquesa e à prisão vários elementos da sociedade, entre os quais se contavam, para além de Bocage, o compositor João Domingos Bontempo, para além de outras personalidades das artes e das letras da época.
À “Sociedade da Rosa” pertencia também o poeta de origem brasileira, Lucas José de Alvarenga, que foi por duas vezes governador de Macau e que era um protegido do Conde de Sarzedas. Este aristocrata da alta nobreza pertencia também à mesma sociedade e tal como a Marquesa de Alorna sofreria as consequências.
Alorna foi exilada para Inglaterra. Sarzedas, cujo prestígio e influência era demasiado grande para ser pura e simplesmente expulso foi abrigado a aceitar o governo da Índia (uma forma de o afastar para longe de Lisboa por muitos e bons anos) ainda que esse exílio fosse politicamente dourado com a concessão do título de vice rei, que já não era utilizado há muito e que episodicamente com ele foi retomado
Neste ponto convém esclarecer que em Macau o principal protector de Bocage foi Lázaro da Silva ferreira o Ouvidor da cidade. Esta figura conquanto não existam documentos probatórios parece ter sido igualmente maçom.

A Maçonaria e o Liberalismo

Após um hiato de cerca de duas décadas, a palavra Maçonaria irromperia a público em Macau, cerca do ano de 1821.
Seria então que, os ecos da revolução liberal portuguesa de 1820, chegariam a Macau, fazendo submergir o Território numa profunda crise política, agravando por seu turno a crise económica em que o Território se encontrava já mergulhado, desde as três, ou quatro décadas anteriores.
Sem pretender historiografar detalhadamente a época, pode dizer-se de uma forma sintética que Macau se dividiu em dois partidos.
Um constituído pelas forças institucionais civis e militares ligadas ao governo português do Território.
O outro constituído por figuras locais congregadas em torno do Leal Senado e da Santa Casa da Misericórdia, agregando também figuras civis militares e eclesiásticas descontentes com o governo vigente, que, diga-se, dadas as reduzidas dimensões da comunidade, não eram outras senão o governador e o juiz de direito (este que na altura era oficialmente designado por ouvidor e cujas competências excediam largamente as de um magistrado ordinário).
A crise redundou numa sucessão de distúrbios que levaram à detenção do governador e do ouvidor, bem como à destituição da antiga vereação do Leal Senado e convocação de eleições que produziram uma câmara municipal que, em nome do liberalismo, suspendeu todas as relações com o governo de Goa (a que Macau estava submetido) transformando durante cerca de um ano Macau numa república virtualmente independente.
Surgiam amiúde referências públicas à acção “nefasta” da Maçonaria em Macau, em papeis volantes distribuídos nas ruas, mas também na oratória eclesiástica do Bispo da Diocese D. Frei Francisco de Nossa Senhora da Luz Chacim e dos párocos que consigo estavam na defesa dos poderes instituídos.
Nesse contexto dir-se-ia que de um lado estava o Bispo, o Ouvidor e o Governador e do outro os “malfadados” pedreiros livres. Todavia tal asserção simplista estava longe de corresponder à verdade.
Se nada se sabe sobre qualquer eventual filiação maçónica dos rebeldes “independentistas” do Leal Senado e da Santa Casa, capitaneados pelo tenente-coronel Paulino da Silva Barbosa, sabe-se de facto que o governador José Osório de Castro Cabral e Albuquerque, tido como reaccionário relapso e por isso preso e enviado para Goa a ferros talvez o não fosse tanto assim.
De facto, consultando a documentação existente verifica-se que o governador Albuquerque, aliado do Bispo Chacim é que era de facto maçon. Albuquerque, que tinha o nome simbólico de “Leónidas”, ascenderia nos graus filosóficos da ordem em Portugal, nas lojas “Audácia” de Coimbra e “Firmeza” de Lisboa. No mundo profano ficaria destacado como redactor do periódico conservador “Rei e Ordem”, terminando a sua carreira militar como fidalgo da Casa Real e tenente-general do exército. Com ele, em Macau estavam o comerciante macaense, Gonçalves Serva entre outros.
No campo liberal conhece-se apenas como maçom, o nome de António de Holanda Cavalcanti, preso pela pelos absolutistas, na sequência do desembarque de uma força naval comandada pelo capitão de mar e guerra Garcez Palha, que acabou com a revolta municipal de Macau e repôs a velha ordem em Macau, em 1822. Cavalcanti, figura que se destacaria posteriormente no Brasil como deputado e ministro sobraçando diversas pastas, teve o encargo de representar o “Grande Oriente de Portugal” junto da Maçonaria Brasileira, em 1858.
Face ao que ficou dito não podem restar dúvidas sobre a importância e influência da Maçonaria em Macau na década de vinte do século XIX.
Apesar das bulas papais condenatórias, dos sermões inflamados do Bispo diocesano e dos papéis volantes contra os pedreiros livres, certo é que a Maçonaria estava dos dois lados. Falta saber se actuava regularmente em lojas separadas consoante o pendor ideológico, se, se cindiu durante a crise, ou se a militância ideológica profana que separava liberais e conservadores correspondia no seio da Ordem a diferentes obediências.
Neste ponto há que salientar que a “Abelha da China” periódico porta-voz dos liberais surge com regularidade contendo artigos laudatórios das excelências políticas e sociais dos Estados Unidos da América.
Esse facto poderia sugerir uma ligação de índole maçónica à América. Isto tanto mais quanto se tiver em conta o facto da presença americana em Macau, nesses tempos ser expressiva e a possibilidade (bastante forte) de uma loja do Alabama ter funcionado no Território nessa época.
Porém e por enquanto, tal asserção não passa ainda de pura especulação que necessita investigação ulterior mais apurada, nomeadamente nos arquivos da Maçonaria americana.

Uma “Loja Luís de Camões” antes da “Loja Luís de Camões”?

Consumada a reocupação absolutista de Macau em 1822 e concluída a normalização política liberal nos anos subsequentes ao termo da guerra civil portuguesa (1834) verifica-se que os governadores de Macau seguintes a Adrião Acácio da Silveira Pinto (com ele incluído) seriam quase todos (senão mesmo todos, diríamos!) maçons.
Apesar dessa constatação porém, nada consta oficialmente, sobre a operância institucional da Maçonaria em Macau
Apenas na segunda metade do século XIX existe notícia de que uma loja denominada “Luís de Camões” teria erguido colunas em 1872, sob a égide da “Loja Lusitânia”, fundada em Londres, na primeira década do século XIX por emigrantes portugueses. A referida “Lusitânia”, foi reconhecida pela “Grande Loja de Inglaterra”, recebendo um número de ordem. Sobre a existência de tal oficina nada sabemos. Todavia não será despiciendo recordar que à data pontificava em Macau, António Alexandrino de Melo, segundo barão do Cercal. Esta figura macaense cosmopolita e poliglota (falava, fluentemente inglês, francês, italiano e chinês). Licenciou-se em engenharia em Inglaterra, e posteriormente cursou belas artes em Itália. Em Macau foi autor de alguns dos edifícios que ainda hoje marcam a silhueta da cidade, nomeadamente o Palácio da Praia Grande, Cemitério de S. Miguel, Quartel dos Mouros e Clube Militar. Este último inaugurado em 1871, possui, se assim se quiser entender arquétipos maçónicos na sua estrutura, nomeadamente na actual sala de estar que ostenta duas colunas embutidas na parede à direita. Teria sido António Alexandrino de Melo o instaurador da desconhecida loja “Luís de Camões”? Não se sabe, mas apenas se pode inferir.
António Alexandrino de Melo, arquitecto de alguns monumentos mais representativos do século XIX macaense. Poderá descobrir-se no seu traço uma filiação maçónica indiscutível?

Concluído este parêntesis obscuro surge o momento de sublinhar que apesar da pressão da Igreja Católica e dos poderes instituídos sobre a Maçonaria, certo é que se verifica que a maior parte dos governadores, altos e médios funcionários do governo de Macau foram maçons, principalmente a partir da década de trinta do século XIX. Podemos citar, entre outros, Adrião Acácio da Silveira Pinto, Lobo de Ávila, Conselheiro Borja e outros mais que irrompem pelo século XX.

Maçons do Século XX

No século XX surge a História, indubitável, sem lacunas nem “setentriões”. A loja “Luís de Camões” ergue colunas, em 1909.
E quem foram os obreiros dessa tarefa que iria laborar intensamente ao longo de 32 extraordinários anos de Macau?
Alguns escolhidos o foram! Porém há que render homenagem aos pioneiros conhecidos, alguns dos quais a história maçónica pouco liga e a história de Portugal por inteiro oblitera.
O primeiro é sem dúvida Constâncio José da Silva.
Nascido em Xangai, onde morreria, Constâncio José da Silva terá sido o principal obreiro que ajudou a erguer as colunas à força de ombros no mundo reservado da Ordem e que no universo profano as consolidava batalhando com a sua pena inquieta nos jornais que fundava e dirigia pela liberdade, igualdade e fraternidade em Macau.
A loja “Luís de Camões”, se não lhe deve a fundação, pelo menos lhe deve a consolidação.
Juntamente com Constâncio, surgem, metendo ombros à obra nomes de renome, local e também sonantes no mundo lusófono.
Rosa Duque seria um, Camilo Pessanha outro.
O primeiro, sargento da Rotunda no 5 de Outubro de 1910, desterrado para o então ultramar português, ver-se-ia destituído de méritos militares pela política pós republicana, tendo que perfazer o trajecto de Angola a Macau para recuperar aqui, não só as divisas de sargento perdidas, mas o merecimento do posto de capitão pelo qual, “João Afonso” (nome simbólico do republicano governador de Macau, Carlos da Maia), não teve medo de interceder junto das instâncias de Lisboa para o restituir à dignidade militar perdida, tão constante “obreiro” que, morreria com a sua loja em Macau nos alvores dos anos trinta do século passado, quando a Maçonaria estava em vias de ser ilegalizada pela ditadura do “Estado Novo”, expressando em letra de forma no jornal “O Combate” que dirigia a sua alta condição de Cavaleiro Rosa Cruz, grau 33 do REAA.
Camilo Pessanha, o poeta paradigmático do simbolismo português foi outro companheiro que meteu ombros à tarefa da Ordem e só esmoreceu quando feito “Cavaleiro do Oriente e do Ocidente” (grau 17) a morte nefelibata lhe sobreveio em 1926 (pouco ante de deixar este mundo seria elevado ao grau 19).
Outro ainda foi D. José da Costa Nunes, Bispo de Macau, Patriarca das Índias e Camarlengo da Santa Sé. Figura de projecção ecuménica. Optou pela condição de “absência” preferindo queimar, antes de morrer, todos os documentos que lhe relatavam a vida a deixar-se biografar, por quem quer que fosse.
Vicente Jorge, tradutor insigne, coleccionador de arte em porcelana chinesa foi ainda nome que meteu ombros à tarefa de “polir a pedra bruta”, com tanto merecimento quanto pouca paga da história.

Um maçon macaense pilar da ponte republicana entre Portugal e a China

No entanto de entre todos os mencionados e outros que ficaram por mencionar neste resumido trabalho, um nome se releva acima de todos os outros, não pelo que se saiba dele, mas sim pelo que não se sabe.
Não porque tenha publicado obra (dele conhecem-se apenas traduções anónimas de actas de tribunais de Hong Kong e traduções de ofícios da Repartição dos Assuntos Chineses de Macau), para além de artigos de nos jornais que dirigiu.
Não porque tenha deixado marca na vida social ou política de Macau, (foi vereador do Leal Senado durante um mandato e nas actas nada consta que tenha dito durante esse período de vida pública de relevante memória).
A sua vida, tal como o seu grau na Ordem constitui, um dos mais paradigmáticos mistérios da Maçonaria em Macau e também da história profana.
O seu nome consta de uma rua de Macau no NAPE, todavia quem sabe porque lhe foi dado nome de rua se não consta da galeria de pessoas ilustres de Macau e apenas é citado “en passant” nas monumentais obras de Monsenhor Manuel Teixeira, que publicou mais de cem livros, constando que neles não deixou de fora nem nome, nem coisa, nem acto nem omissão dos últimos quatrocentos anos de Macau sobre os quais é possível fazer história.
Chamava-se Francisco Hermenegildo Fernandes e merece ser lembrado no seio da Ordem e no mundo profano. Diria que esse irmão foi um seguidor do Tao, já que pelo não fazer influiu de forma indelével nos caminhos da história contemporânea de Macau e principalmente da China.
Como e até que ponto influiu não se pode saber. È, um mistério.
Um mistério tão insondável como o facto de dele não constar uma única fotografia, nem na campa do cemitério de S. Miguel, onde repousa, nem nos arquivos de identificação do Governo.
A sua biografia encontra-se resumida apenas, no Arquivo Histórico de Macau num processo constante de cinco folhas A4 datilografadas, como segue:
Francisco Hermenegildo Fernandes, nascido a 2 de Fevereiro de 1863. Intérprete no Supremo Tribunal de Hong Kong de 1886 a 87. Fluente em inglês, português (naturalmente) e dominador de diversos dialectos chineses, nomeadamente cantonense e mandarim.
Foi o primeiro classificado com 16 valores na admissão ao quadro de “língua da Repartição dos Assuntos Sínicos de Macau, lugar para que foi nomeado em Agosto de 1919.
Tudo isto frio, como todos os processos burocráticos das repartições do estado. Mas para além dos ofícios esconde-se a figura invulgar que foge à burocracia e aos estereótipos.
De facto, Francisco Fernandes, foi em Macau o principal apoio das correntes que procuravam restituir a China à dignidade, derrubando uma dinastia corrupta e despótica que cedia à partilha das potências coloniais que a procuravam talhar em esferas de influência, que inevitavelmente a retalhariam em nações artificias tal como tinham retalhado África na conferência de Berlim de 1884.
Nesse contexto Francisco Fernandes, gerente da tipografia do Pai, Nicolau Tolentino, dá abrigo a Sun Yat-sen nas páginas do seu jornal, “O Echo Macaense” que publicava em português e simultaneamente em chinês sob o título “Ching Hai Iat Pou”.
O encontro entre os dois dura, pelo menos, uma década, entre Macau e Hong Kong, até ao fatídico ano de 1895.
Sun Yat -sen, abandona no ano anterior Macau estabelecendo-se em Cantão a fim de preparar a revolta contra a ditadura imperial “manchu”. Mas a revolta falha redondamente. Sun Yat-sen escapa por um “triz” de ser decapitado, tal como o foram dezenas dos seus correligionários.
Foge para Macau numa cadeirinha, disfarçado de mulher e encontra um único abrigo. A casa de Francisco Fernandes.
Por seu turno Francisco Fernandes usando de todas as influências que possui consegue que o governador Horta e Costa, faça vista grossa à presença em Macau do perigoso revolucionário, mas instrua a polícia no sentido de responder aos pedidos de captura do Vice Rei de Cantão afirmando desconhecer que o procurado se encontrasse no Território. O caso não foi simples, já que a polícia imperial de Cantão actuava oficiosamente em Macau e sabia muito bem que Sun Yat-sen se encontrava na cidade. Porém, o desconhecimento oficial do governo e da polícia macaense constituía uma barreira inacessível que se entrepunha entre o totalitarismo “manchu” e os mecanismos judiciais independentes em vigor em Macau. E foi assim que Francisco Fernandes, conseguiu manter escondido o seu amigo Sun, em Macau, o tempo suficiente para lhe arranjar passagem num junco de pescadores para Hong Kong e dali para o Japão onde ficaria a salvo da sanha imperial.
Nos dezasseis anos seguintes, Francisco Fernandes e Sun Yat Sen não se voltariam a ver. Mas em 1911, Francisco Fernandes, logo após a revolução republicana da China escreve a Sun Yat-sen, felicitando-o pela sua elevação a Presidente da República inquirindo-o sobre se pertence a “ essa fraternidade universal (Maçonaria) e em caso afirmativo, qual a melhor forma de consigo comunicar”. Essa carta consta dos arquivos de Pequim e é datada de Macau, aos 11 de Janeiro de 1912, constituindo documento original e indesmentível. Francisco Fernandes era maçon e possuiria poucas dúvidas de que Sun Yat-sen o fosse também.
A resposta de Sun Yat-sen à carta de Francisco Fernandes não se conhece.
Constará dos arquivos de Pequim, não constará? Talvez sim talvez não...ou talvez não convenha divulgar a resposta.
Posteriormente, Francisco Fernandes demonstra continuar a dispensar apoio a Sun Yat-sen através do recrutamento em Macau de voluntários para integrar as forças militares do líder republicano que visava reunificar a China dividida pelos senhores da guerra. Essa carta manuscrita por Francisco Fernandes tem a data de 19 de Janeiro de 1919.
Seja como for, certo é que o quase anónimo, Francisco Fernandes viria a ser proposto num dos primeiros actos de estado de Sun Yat-sen como (na sequência da revolta vitoriosa de 1911) para ocupar o cargo “ad honorem” de ministro da China. Diz-se que Francisco Fernandes não aceitou tal honra preferindo manter-se no seu pequeno anonimato de Macau.
Em finais de 1912, Sun Yat-sen, resignou do cargo de Presidente da República em favor de Yuan Chi Kay, retirando-se, provisoriamente da ribalta politica para umas férias de saudade na sua província natal.
Foi então que regressou à Macau da sua juventude em Junho de 1913. Foi então também que reencontrou o seu amigo Francisco Fernandes.
Uma fotografia oficial da ocasião mostra Sun Yat-sen no jardim de Lou Kao sentado em pose e tendo à sua volta em duas filas a gente grada da cidade, entre as quais se contam alguns maçons (destacadamente Camilo Pessanha).
Outra fotografia exibe o presidente cessante no hospital de Kiang Wu, Para além das fotos sabe-se que Sun Yat-sen assistiu a um arraial junto à Igreja de S. Lázaro (provavelmente no dia 24) com a comunidade portuguesa de Macau que tão mal o tinha tratado, nos tempos em que exerceu medicina na colónia, nos idos da década de 80 do século XIX e em que acabou por ser expulso, por motivos étnicos escondidos sob a capa legalista de que não possuía um diploma de medicina passado por uma universidade portuguesa. Sun Yat-sen licenciou-se pela Escola Médica de Hong Kong). Mas para além das crónicas e das fotografias oficiais sabe-se de tradição passada de boca em boca que Sun Yat-sen terá sido recebido como visitante na “Loja Luís de Camões” durante os curtos dias de visita que efectuou a Macau nesse distante Junho de 1913.
Quanto à possibilidade de Sun Yat-sen ter sido iniciado na “Loja Luís de Camões”, tal hipótese parece-nos fora de causa.
Segundo alguns investigadores, nomeadamente Sterling Seagrave, Sun Yat-sen pertencia à sociedade chinesa “Céu e Terra” vulgarmente conhecida por “Tríade” em que foi iniciado na sua terra natal de Cheong San, depois de concluídos os seus estudos secundários no Havai e decidiu regressar à China. Posteriormente, é um facto ligou-se directa, ou indirectamente a outras associações secretas de índole exclusivamente chinesa
Todavia que Sun Yat-sen foi iniciado na Maçonaria, é outro ponto que não deixa dúvidas, mas sobre essa questão apenas poderíamos interrogar o maçon, James Manson, professor da Escola Médica de Hong Kong, que biografou Sun Yat-sen, mas que nada deixou dito em linhas ou entrelinhas sobre a sua faceta esotérica.
Independentemente das dúvidas sobre a filiação de Sun Yat-sen, nesta ou naquela obediência, nesta ou naquela loja, estamos convencidos de que se os responsáveis pelos arquivos da Grande Loja de Inglaterra puderem ultrapassar constrangimentos de ordem política, ou questões de oportunidade, ficaremos a saber, então qual a loja que iniciou o primeiro presidente da República da China.
Relativamente a Francisco Fernandes, apesar de todos os esforços de investigação, do facto de possuir um jornal, ter escrito inúmeros artigos, ter sido alvo de processos judiciais que constam dos arquivo de Macau, ter integrado o Leal Senado como vereador e ter sido juiz de paz, uma espessa nuvem de mistério continua a pairar sobre ele.
Concluído este parêntesis sobre maçons ilustres resta apenas recordar a figura de Herman Machado Monteiro, o último obreiro da Loja Luís de Camões cuja biografia poderia iluminar a “obra da Ordem” em Macau, se do seu espólio privado tivesse restado alguma coisa. Porém, parece que a tão famigerada “formiga branca” esperava apenas o abater de colunas da “Loja Luís de Camões”, para destruir até à medula os fragmentos de uma história recente ingloriamente perecida.
Resta ainda referir alguns maçons do século XX que se destacaram e foram reconhecidos por isso.
Rodrigo Rodrigues, governador de Macau, ministro em vários governos da República, que dá nome a uma avenida da cidade.
Travassos Valdez oficial de marinha, autor de diversos livros e cidadão benemérito de Macau, cujo retracto se encontra na sala de sessões do antigo Leal Senado.
Carlos da Maia, governador e fundador da República.
Maia Magalhães, Governador de Macau e herói de Chaves nas lutas contra a reacção monárquica de Paiva Couceiro.
Velhinho Correia, secretário-geral do governo de Macau, deputado por Macau em Lisboa e ministros em vários governos da República.
Joaquim José Machado que participou nas conferências sobre a delimitação de Macau (1909-1910).
Artigo da autoria de João Guedes, jornalista e investigador.

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