Friday, June 27, 2008


E agora a mais rendida homenagem aos cães. É um poema de Lopes Vieira que aprendi na terceira ou quarta classe da minha instrução primária (já lá vão décadas). Nesse tempo tinha um cão perdigueiro que se chamava Marão, depois tive outro que acho que era Labrador, como o que tenho agora. Era criança de mais para entender diferenças de raças. Quem sabia disso era meu Pai. Brincava comigo quando eu tinha oito ou nove anos de idade. Chamava-se Chingufe. Era preto. Eu era o Cow-boy e ele o índio. E o Chingufe rastejava na richeira de cima e emboscava o meu séimo de cavalaria por alturas das escadas que ligavam os socalcos. Lutavamos. Ele de dentes afiados eu armado de mãos vazias com uma imaginária espigarda whinchester de cinco tiros. O Chingufe atacava e eu descarregava tiros imaginários sobre esse chefe índio caindo-lhe sobre o dorso. E rosnava o Chingufe e mostrava os dentes, mas nunca mordia a sério e no final retirava à espera que eu fosse atrás dele. Eu ganhava sempre, mas acho que ele nunca perdeu uma batalha comigo e eu nunca lhe ganhei uma. Essas batalhas não eram para ganhar, ou para perder, como o Chingufe sabia muito bem. Eram guerras sérias. Depois dava com ele a roer um osso de que se tinha esquecido que estava posto lá em cima ao pé de casa. E quando o encontrava para o desafiar de novo já dormia a sesta. Que forma inglória de guerrear!...
Depois tive uma cadela inteligente que era fox-terrier atravessada de Pincher que se chamava Boneca. Depois ainda outra que se chamava Flecha. Era Pastor alemão. Forte e possante, mas que se dava com toda a gente na rua. Nunca mordeu ninguém. Mas quando alguém tentava entrar em minha casa sem autorização rosnava e abria os dentes. A rapaziada fugia cheia de medo nesses momentos.
(Hei-de contar noutra altura as particularidades dos meus outros cães).
Todos animais colossais como dizia Guerra Junqueiro. Todos diferentes, mas no fundo um fundo semelhante, como diz a seguir Lopes Vieira, no poema que transcrevo e depois de lido e relido me comovo sempre:


O CÃO

O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!
É bom amigo,bom companheiro,
É valente,fiel,verdadeiro,
Leal,serviçal,
E tem bom coração.
Que diga o seu dono se ele o tem ou não!
Quando vem de fora a gente,
E chega a casa,é o cão
Quem diz primeiro,todo prazenteiro,
Saltando e rindo,
Contente
E com os olhos a brilhar de amor:
_”Ora seja bem-vindo
O meu senhor!”

O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!
Que diga o ceguinho se ele o é ou não!
Nunca viram passar pelo caminho
Um ceguinho
Levando pela mão
O seu cão?
Que seria do cego,coitadinho,
Sem o seu guia,sem o carinho
Daquela dedicação?

O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!
O pastor que diga se ele o é ou não.
O pastor leva o rebanho,
E vai-se ouvindo
O som lindo
Dos chocalhos muito finos,
No ar tinindo,
Como pequeninos
Sinos...
O pastor leva o rebanho;
E quem guarda os cordeirinhos
E as mães,
Dos lobos maus e vorazes?
São os cães,guardas valentes,
Que aos lobos dizem assim:
Ó lobos maus e vorazes,
Sim,
Andem,toquem-lhes lá,se são capazes!...
E,de longe,os lobos miram
Os cordeirinhos contentes,
Mas não se atiram,
Com medo dos seus cães valentes
E dos seus dentes:
O cão
Que faz ão!ão!ão!
É bom amigo como os que o são!


Lopes Vieira

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