Tuesday, June 22, 2010

Ibn Amar

Ibn Amar era um jardim de nós dois


Ibn Amar era o poeta algarvio

Que ficou para a posteridade

Preso à história do Arade

Preso à corrente de um rio

Porém amor para nós

Ibn Amar é uma história

Qua passa à margem de rios

Muito longe de navios

E de brumas

De odisseias colossais

De escunas expostas aos ventos

De tormentos.

Ibn Amar foi simplesmente belo

Um, pequeno triangulo

Singelo

Entre ruas

Coincidentes

Incidentes

Que geraram em nós o verbo começar

E assim o poeta Ibn Amar

Foi afinal apenas a recordação boa

Do que nos aconteceu um dia na cidade de Lisboa

João Guedes. 31/05/03


Abu Bakr Muhammad ibn 'Ammar, nasceu em Sannabus (possivelmente Estômbar), perto de Silves, em 1031 e morreu em 1084. Discípulo do grande gramático al-A'lam, estuda em Córdova e Silves.

Mais tarde torna-se amigo dilecto de al-Mu'tamid que, ascendendo ao trono de Sevilha, o nomeia, entre outros cargos, governador de Silves, da qual foi o maior vate luso-árabe.

Ode pequena a uma atleta conhecida

Cão atleta em repouso merecido


E setas

E cronómetros

E quartos

E metas

E atletas

Por centímetros

Por milímetros

Corredores de fundo

Vencemos ao segundo

Primeira palma

Do pé.

Arfa a alma contente

Da atleta

Quando corta a meta

Dor física

Da vencedora

Corredora

De fundo.

Quem é?

Primeira palma

Do pé.

Nós e ela somos

E choramos e vemos

Laranja feita de gomos

Na bancada

Separada

A separar

Pelo polegar

E a atleta a arfar

Triunfadora

Desfraldadora

De Bandeira

Vencemos

Vamos celebrar

A nossa atleta

Cortou a meta

Muito bem!

Venceu ela, e viva Portugal?

Acho que nessa competição mundial

Vista pela televisão

Pelo Mundo todo

E mais por mim e pelo meu cão.

Comovi-me.

Ele não!

É que ele

Animal nascido atleta de profissão.

Corre que se farta como todos os da sua raça

(durante o dia quando pode, claro!)

Mas como é daltónico (estão a ver)

Não consegue perceber

O que se passa nas seiscentas e tal linhas de cores que compõem um ecran

De televisão.

Numa transmissão directa pela manhã

E por isso foi que

Quando a nossa atleta

Cortou a meta

Eu deitei uma lágrima de um olho

Ele esticado no tapete não

Apenas tremelicou o sobrolho

Esticou a pata e ignorou

E perante um tal evento nacional

Então, então!

Escondeu ainda mais o focinho na almofada e mais alto ainda ressonou

No chão.

Que falta de sentido pátrio tem o meu cão!

João Guedes

Maio 2008

Dramas esquecidos nas memórias do Douro

O penhasco

barão de Forrester
e a minha impressão do Douro: -

Tenho no Douro a impressão de estar vazio.

Persistente esta sensação aguada

Liquida, alcandorada

Em mim

Lá no fundo, bem no fundo da ravina

Deve ser frio

No Inverno

Mas hoje que calor!... Água é coisa que não há

Não se vê uma fonte. Que inferno!....

Esta terra é escura de cor indefinida

É tudo denso aqui. É tudo exagerado!

A morte o trabalho, o clima, a vida.

Naquela curva do rio

Morreu o Barão de Forrester

Numa batalha na ponte de um navio contra o inimigo nas ondas do alto mar?

Não!

Ali não era a Mancha, nem havia espaço entre alcantis para Trafalgar.

Foi num barco rabelo no caminho de regresso vindo de passear

O barão afogou-se em água nas terras do vinho

Para salvar a namorada que descuidada caiu da amurada

Pelos baixos do Pocinho.

Nessa mesma altura atavam o escrivão Guedes

À cauda de um cavalo e arrastavam-no pela vila de S. João da Pesqueira

Morreu ignobilmente

Dessa maneira

Na guerra civil

Injustiçado ingente

Na guerra civil

Em crucial ponto

Mas o que aconteceu ao escrivão

Não merece menção, nem influiu no curso da Nação

Morreu e pronto!...

São pequenas tragédias da história

O escrivão Guedes morreu em contraponto

E a memória conserva apenas a do barão.

Forrester morreu a salvar a sua dama

Depois de um pic-nic

No meio do rio entre falésias a pique.

A sua espada permanece encravada entre duas rochas de granito

A comemorar o feito

Hoje resta um ferro enferrujado

Submerso nas águas de uma barragem que rememora o drama.

Mas neste leito do Cachão da Valeira há um infinito.

Há um infinito lamento

Um drama mais ingentes, um dilema mais profundo

Que fica entre o que é e o que não é lembrado

Nas tragédias do Mundo.


João Guedes. 1975

Alcantis e frontões



Longos penhascos cinzentos

Em surdas cogitações

Pendurados em tormentos

Dos alcantis em frontões

Socalcos escalavrados

Monte acima, monte acima!

Os caminhos depredados

Nem uma fonte ou uma mina?

Vinhedos dependurados

Cepos velhos carcomidos

Sobe e desce em alquebrados

O Douro de tempos idos

Há colmeias com abelhas

Socalcos ali acolá,

Há casas com loisas por telhas

Mas sombras é que não há!

É este o Douro assente

Assente em pedra xisto

Vida má, vida de Cristo

Douro velho eternamente.

João Guedes 1975

A Lua a Madrugada e o Oriente

A inspiração vai-se sumindo


De mim a inspiração vai-se sumindo

Fazer poemas é cada vez mais raro

O Mundo é cru estúpido, mal vindo

E eu neste momento da vida o passo paro.

A madrugada surge devagar a Oriente

Perdi acordado uma noite inteira.

(por obrigação estive a escrever prosa para um jornal)

Olho de soslaio para a janela ingente

Através da qual o Sol se esteira.

Creio que o artigo me saiu menos mal

Ao menos que me paguem pelas horas que gastei

A juntar palavras e exarar opinião.

Mas essa perda de tempo não é a questão.

O problema sou eu.

O nascer do dia surge

Logo a seguir ao lusco-fusco - madrugada bela

E há um rio afluente

E há um assobio de pássaro - ouço além uma cantarela.

Será uma cigarra lírica, ou apenas o ruído prosaico

Do quotidiano que é sempre onomatopaico.

E o Mundo, sempre de certo modo ausente

Na sonolência ligeira

Que me sobrevem

Torna-se mais uma vez presente.

O que me ficou verdadeiramente

Por fazer não o digo a ninguém.

Perdi o meu passeio.

Ontem devia caminhar, mas não o fiz

Preferi gastar uma meia - noite de tempo em falaz seio

E casar por momentos com uma lua de verniz

Adormeço.

Adormeço a meia-tarde!

Vejam lá!

A inspiração sumiu-se

Já não me apetece poetar

Mas passear

No onírico mundo infindo

Por onde posso imaginar.

Que durmo e não estou e não me culpo por tardar

E me ter esquecido ontem de passear

(passear meia-hora por dia, pelos menos, é o que o meu médico recomenda para a minha doença)

Mas de repente acontece.

Acordo!

A sesta foi-se e o Sol arde

E eu ainda meio a dormir naquele seio

Pintado de branco giz

Verifico que foi apenas um passeio

Que não fiz.

Lavo a cara. Olho para o relógio.

Estarei atrasado para entrar a horas no emprego?

Não. Não tenho horário fixo.

Há que sossegar!

O mundo foi-se num ápice e já são outra vez horas de jantar

Que mundo este o de imaginar

João Guedes

Sunday, June 20, 2010

A minha homenagem pessoal a Saramago


Preguiça e afazeres (principalmente preguiça) levam a que este blogue que mantenho não seja actualizado tanto quanto merecia. Mas hoje apesar de ser fim-de-semana e ter ido para a praia (a praia “chateia-me” por que fico sempre com a sensação de que nessas horas de natação e papo para o ar deixo sempre por fazer alguma coisa importante. Claro que depois rememoro a minha agenda virtual e verifico que na verdade não perdi tempo nenhum. Mas é sempre assim) e ter tido de “aturar” os filhos que acharam que me deviam homenagear por ser “Dia do Pai” na China - por mor da tradição e assim...- e me invadiram o castelo ainda por cima acompanhados da progenitura, ou seja as minhas netas pequeninas e irrequietas que me destroem sem respeito nem complacência a rotina, os “bibelots” (principalmente os que se partem) fazem desenhos nas fotocópias do Arquivo Histórico e nas gravuras que guardo secretamente (?) numa gaveta especial, mas cujo segredo conhecem e fazem gala em descobrir mal cá chegam a casa (como se descobrissem o tesouro pirata do capitão Morgan). Isto apesar de cá ter um contentor infindável de brinquedos comprados especifica e cientificamente para entreter as suas pequenas idades. Os pedagogos não sabem do que falam nas “posologias dos brinquedos” que constam nos rótulos das caixas. “Este brinquedo é específico para crianças entre os 3 e os 5 anos de idade”, diz a posologia no rótulo da caixa. É mentira evidente. Do que as minhas netas gostam é de brincar com as minhas canetas de estimação, o meu medidor de diabetes (objecto electrónico altamente sofisticado que custa um dinheirão) os bonecos mal amanhados que trouxe do Myanmar. Enfim um pandemónio... E o pior é que em vez de correr a família à bofetada não! Ainda acho graça.

Ser avô é negação da moral romana e antiga do “pater famíliaes”. Mas só agora o descubro. Certamente que já não vou a tempo de corrigir a moral vigente e de evitar o olhar de soslaio (meio escandalizado) de meus filhos que se tivessem o atrevimento de me tocar nas canetas iam para o “quarto escuro”. Felizmente que quando meus filhos eram crianças ainda não fazia colecção de canetas e o quarto escuro não passava de uma ameaça igual à do “homem do saco”.

Mas tudo isto para dizer apenas que retomo este blogue para deixar um “post” de homenagem (e já são 4 horas da manhã) a José Saramago.

Perde-se um grande escritor de que li alguns livro: - “Levantado do Chão”, “Memorial do Convento” “ O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “Todos Os Nomes”, “Ensaio sobre a Cegueira”, “As intermitências da Morte”. Foram estes os que dele li.

Caim e o Evangelho não li, nem tenciono ler. Não porque tenha alguma coisa contra a temática que tanta polémica suscitou, mas apenas porque não me interessa o tema. Se calhar um dia qualquer quando estiver a gastar tempo na praia de papo para o ar e sem nada para fazer talvez os leia. De outro modo não me parece que o faça. Aliás contra a igreja católica já me deleitei e continuo a deleitar-me com a “Velhice do Padre Eterno” e “A Morte de D. João” poemas que para além de tratarem do mesmo assunto fazem-no em verso e deixam-nos extasiados perante a beleza de Deus, do Universo e a sordidez do Mundo em rimas tão harmoniosas que parecem melodias. Eram panfletos? Pois eram! mas eram bonitos e profundos.

Saramago pegou no tema em prosa. Estará literariamente bem feito (não sei porque como disse não li), mas não tem a melodia de Junqueiro e essencialmente surgiu a destempo. A Igreja de hoje está longe de ser a de há um século. E os combates de hoje não são os desses tempos republicanos estrénuos. O mundo mudou!

Mas rendo aqui, fora de horas também, a minha homenagem a José Saramago.

Monday, June 7, 2010

Friday, May 28, 2010

O vôo do Ganso



Descobri e encantei-me. Afinal a maravilhosa viagem de Nils Holgersson não começou na Suécia nem na imaginação desta mulher Selma Lagerlöf que inventou Kejjsam av Portugallien (O Imperador de Portugal, 1914).

Não tudo começou muito, muito mais tarde. Foi mais ou menos por volta de finais dos anos 50 do século XX nesta ignota aldeia que se chama Goujoím que o ganso tão real quanto inventado levantou voo.

Foi daqui que ao descolar desajeitado da terra o ganso, inadvertidamente, deixou soltar uma pena da sua asa direita que volteou, volteou, volteou e caíu na mão de Arnaldo Guedes que a usou para fazer o prólogo nunca publicado dessa viagem maravilhosa.

E o prólogo ficou assim escrito com a pena nas palavras desse "vale infância".

Assim: -

O VÔO DO GANSO

O nosso ganso de família, como o cão ou o gato passeava-se no quintal naquele passo grotesco, canhestro, bamboleante próprio da espécie. Na família dos patos todos são assim.

O quintal apenas possuía um exíguo tanque de rega, bastante para o efeito, mas acanhado para evoluções do ganso. Coitado!

Não precisaria de um lago, mais associado ao cisne, mas na verdade não tinha condições aquáticas para evoluir com outra graça que realmente não tem em terra firme.

Não é que eu ou outros não sorriam com a desgraça do descaminhar do ganso num desequilíbrio constantemente corrigido constantemente perdido, como uma criança nos primeiros passos, dados no entanto perante as mãos postas de pai prevenido.

O pai do ganso esse não ensina mais. Ele sabe que em terra o filho não tem muitas hipóteses de ter graça e a vida além de graça tem desgraça, mas espera que a mesma vida lhe ofereça lagos de fortuna, além do ar e do espaço infinito e livre.

O nosso ganso vivia confinado em dois socalcos ditos no meu sítio de richeiras (erro diz meu computador intrometido) de um quintal que existe porque o homem ergueu toscos calhaus em muros e sustentou a terra em declive criando terraços de cultivo como o nosso quintal, onde favas, cenouras, cebolas e mais espécies de hortaliça, mantinham o viço pelo Verão afora graças ao tal tanque curto para o ganso.

Neste cenário o ganso vivia em certa felicidade, deduzíamos. Mas quem pode adivinhar alma de ganso, senão talvez no “foie gras” onde se avaliam os bons ou os maus fígados da ave, o que é pelo menos uma ponta da alma.

Na mão da família nunca assim seria avaliado, juro, nem pela cozinheira, nem pelo Orlando furioso com os danos na horta e com o grasnar, ainda por cima malcriado do bicho mimado pelos patrões.

Estava entre nós condenado a morrer de velho. Era família e penso que gostava de nós deduzindo o Orlando. A estranhos grasnava furioso e era capaz de morder. Uma questão de território.

Do meu irmão criança denotava algum receio, mas dos mais velhos parecia gostar. Tinha connosco uma relação de confiança e até afecto, sem no entanto permitir que lhe passassem a mão pelo “pêlo” que era pena. Tinha o seu orgulho e altivez. Com aquele “papo“ não admira.

A vida decorria em paz em casa e no quintal; mas um belo dia, que foi à tarde, ao pôr do sol, naquela hora em que o traço de sombra da nossa montanha trepando como maré vinda do rio Tedo ia subindo e submergindo na montanha em frente, Longa, Carrazedo e ameaçando de penumbra a aldeia de Arcas, que então se deu o insólito e sublime pasmo em Goujoim. Nessa hora em que a melancolia como a sombra sobe no peito dos homens e dos bichos a ave estimada até mimada abeirou-se do muro alto da richeira e “à sorte e à morte” atirou-se literalmente em suicídio para outra vida.

Em queda livre, uma reacção vital comandou-lhe as asas que se abriram em larga envergadura, bateram em desespero e, sustiveram a queda num emocionante arremedo de voo rasante aos telhados dos vizinhos.

Uma emoção suspensa, o pasmo da família mirando do mirante, e o das mulheres do Vale ao soalheiro interrompendo a malha, contrasta com o júbilo da “canalha” à solta, meus amigos da bola, do pião e do pateiro, gritando, cheios de fé no rasgo da aventura e solidários com a ousadia do ganso e o seu anseio de sair da vida estreita do quintal para o horizonte luminoso sobre o vale.

Em breve o voo atarantado da ave trapalhona e angustiada se abriu num dos mais belos voos de condor só comparável a uma sinfonia musical ou a um poema que nos leva e nos enleva em horizontes mais divinos do que humanos.

O ganso lento pesado e arrastado nos dois curtos socalcos do quintal, tinha por dentro um horizonte tão largo a conquistar um anseio de mundo tão intenso que lançado do muro ao precipício insuflou-se-lhe a alma e lançou-se-lhe o corpo num bailado aéreo, tão belo tão suave tão encantador e espantoso, que estarreceu incrédulos.

O voo do ganso foi sublime. Abalou os conceitos dos velhos do Restelo, quero dizer de Goujoim. Diziam eles que apenas os patos bravos fazem largos voos, mas os gansos não. Era teoria caída por terra enquanto o ganso voa.

Mas os jovens crentes e alguns poetas impulsionaram de terra por telepatia os íntimos motores da ave palmípede, que vencida a gravidade, quedou os motores, asas potentes, e planou largos momentos nos nossos olhos vidrados de beleza.

Ficou um vazio no estreito quintal dos meus brinquedos. Faltava-me uma peça evaporada, mas erguendo os olhos por sobre o vale do Tedo, já por si belo, eu sinto esse espaço soberbamente preenchido e quase terminada a busca intemporal do Belo.

Caiu um ganso do muro do meu quintal, mas ergueu-se o encanto que me paira na memória desse vale infância.

Arnaldo Guedes

"O Só". António Nobre passava férias em S. Cosmado


Este mais um trecho de S. Cosmado no grande nevão de 1956.

São fotografias de que guardo memórias muito particulares e felizes da minha infância e por isso insisto em dá-las a conhecer. Todas estas fotografias foram tiradas por meu Pai que era ali “médico de partido” como se dizia na altura.

Neste caso incluo mais esta apenas a propósito de um facto que desconhecia e que só recentemente vim a saber pelo texto que reproduzo abaixo.

António Nobre, o poeta de “O Só” passava aqui férias e aqui namoriscava. Namoros de Verão já se vê. Naturalmente que S. Cosmado não vestia de branco o ano inteiro. Também vestia de exuberantes verdes e de laranjas fulvos e de castanhos nas Primaveras, nos Verões e nos Outonos que se sucediam.

António Nobre nunca viu S. Cosmado de branco (quem se lembraria de passar férias em S. Cosmado no Inverno?) senão que sonetos teria feito? Provavelmente ainda mais tristes dos que os que o inspiraram na “Torre d Anto”. Ou então não. Se calhar acabaria por se render às líricas alvas da gente alegre dos piqueniques de Monet e ser um percursor serrano do realismo de Cesário Verde. Sabe-se lá...

Segue o texto de Humberto Pinho da Silva - Amor desconhecido de António Nobre

No ano de 1867, a 16 de Agosto, nasceu numa casa da Rua de Santa Catarina, no Porto, bem perto da redacção do semanário portuense “ A Ordem”, António Nobre, filho de José Pereira Nobre e de Ana de Sousa, abastados burgueses.

Frequentou os mais elegantes colégios da cidade; e na adolescência passava as horas de lazer junto ao mar, na praia de Boa Nova, em Leça da Palmeira ou estanciava nas quintas da família: ora na Lixa, ora no Seixo (Penafiel).

Por essa época carteava-se com Miss Charlote, inglesinha, por quem nutria certo afecto.

Matricula-se em 1888 na Universidade de Coimbra, indo residir na Torre de Anto. Como obteve duas reprovações, assentou estudar em Paris, na Soborne, concluindo licenciatura em Ciências Políticas de Direito.

Na cidade da luz pública o célebre livro “Só”; retrato fiel da sociedade nortenha do último quartel do séc. XlX.

Vitima do malfadado bacilo de koch, desloca-se para a Suiça, em tratamento, e mais tarde para a Madeira; e numa derradeira esperança, a Nova Iorque e Baltemore. Todavia nunca conseguiu livrar-se da tísica que o corroía atrozmente.

Acaba por falecer na Foz do Douro, a 18 de Março do ano de 1900.

Mas não é a biografia de António Nobre que se pretende levar aos leitores, mas “secretos” amores, que para sempre permaneceriam em segredo se não fosse carta que encontrei em caixa, que pertencera a meu pai, datada de 01-11-1967, escrita com graça e espírito pela Senhora Dona M. José de Souza Pinto da Silva.

António Nobre – de frágil saúde, mas não contaminado pela fatídica doença, - veraneava numa quinta no Douro.

Contíguas à propriedade residiam cinco guapas meninas que o convidavam, para passeios e “pic-nics“.

Destacava-se, ente elas, uma de grande beleza e de formosos olhos negros, que enfeitiçaram a alma romântica do poeta, espertando-lhe no coração inflamado amor.

Para sua desdita a mocinha fazia-se desentendida às delicadas cortesias de António Nobre.

Certa vez, quando merendavam, o poeta tentou mostrar-lhe, de todos os jeitos possíveis - possíveis para o séc. XlX, - a paixão, mas vendo-a tão desinteressada e gulosa pelos doces que trazia, pediu-lhe o leque - nesse tempo todas as meninas possuíam um, por vezes com quadras do namorado ou poetas da moda , - e escreveu de jacto:

- D. Eugénia quer doçura, D. Eugénia quer pudim!

D. Eugénia quer fartura, quer tudo menos a mim!

D. Eugénia quer fartura, quer tudo menos a mim!

Uma das irmãs da Eugénia era a Maria da Graça, por sinal bastante melancólica e pensativa; noutra ocasião o poeta escreveu-lhe no leque:

D. Maria da Graça é uma flor sem alegria!

O seu nome foi chalaça - devia ser só Maria!

E numa manhã de inspiração, ao enxergar a quinta das meninas, escreveu a transbordar de amor:

Além, avisto um pinhal onde arrulham pombas brancas!

Mais abaixo, um santuário, onde vivem cinco santas!

A todas elas eu rezo, rezo com muito fervor!

Mas entre elas há uma, a quem rezo por amor!

Viviam as cinco meninas – no séc. XlX , - numa quinta em Armamar (S. Cosmado?), perdida entre altaneiros montes e vinhedos, intercorrido por ásperos caminho que mal permitiam a passagem de carros tirados por bois. Local belo, como belas era as meninas.

Será que o leitor pode dizer-me a que famílias pertenciam? Já que a autora da missiva não revela?

Saberia a graciosa Eugénia, de olhos negros, negros como ébano, que António Nobre estava realmente apaixonado e que a afeição que lhe dedicava era sincera e não devaneio de Verão?

Quem sabe responder?

XXX

Respondeu leitor, semanas depois de haver publicado o artigo, na imprensa, esclarecendo o seguinte:

Aqui vai pois o que pede: O nome completo da Senhora é: Maria Eugénia Peixoto Mendes de Vasconcelos Guedes de Carvalho, nascida na Casa do Carvalho a 30 de Outubro de 1877 e falecida solteira na Casa do Campo da Feira.

Filha de António de Vasconcelos Guedes de Carvalho, Morgado do Carvalho, e de Inês Virgínia da Costa Pereira Peixoto. Neta Paterna de Joaquim Vasconcelos Rebelo Mendes de Carvalho e de Maria Leonor Guedes de Meneses e materna de Bernardo da Costa Ribeiro Teixeira da Fonseca da Casa da Portela em Amarante e de Ana Peixoto Queiroz e Meneses.

Monday, May 24, 2010




Sun Yat-sen nunca terá pertencido à Maçonaria, mas sim à “maçonaria chinesa” uma organização genuinamente chinesa que apenas adoptou o nome, nomeadamente na Austrália e nos Estados Unidos no seio das comunidades emigrantes, mas nunca foi reconhecida como tal.
Aqui ficam dois textos. Um sobre a filiação de Sun Yat-sen e outro sobre as ligações da “Maçonaria chinesa” à Maçonaria como contributo para o esclarecimento da questão que me parece estar longe de esclarecida.


Dr. Sun Yat-sen --------------------------------------------------------------------------------November 12, 1866 - March 12, 1925
Chinese revolutionary and political leader, Sun Deming, often referred to as Guofu or "Father of the Nation", played a prominent role in the overthrow of the Qing Dynasty in 1911 under the pseudonym Sun Zhongshan. The history of that overthrow, and the myth-making accompanying it, has lead to some confusion as to Sun's relationship with Freemasonry. While never a member of regular Craft Freemasonry, Sun appears to have been active in at least one society commonly referred to as Chinese Freemasonry. Through his writings Sun attempted to depict the earlier Tiandihui Society as anti-Manchu, a perspective without historical merit but with great political value in mobilizing support for his revolution. Sun is believed to have joined the Zhigongtang (Chee Kung Tong) in Honolulu. It is also said that he "was a Triad official of long standing and is reported to have been a 426 "Fighter" official of the "Kwok On Wui, as it was called in Cantonese, in Honolulu and Chicago; this society came under the general supervision of the Cantonese-named Chi Kung Tong, a mainly overseas section of the Triad Hung Mun." The terms Tong and Triad, generally used in reference to criminal gangs, also incorporates a grouping of mutual aid societies under the name Tiandihui or Hangmen Society. Non-freemason --------------------------------------------------------------------------------Source: Teng Ssu-yu "Dr. Sun Yat-sen and Chinese secret Societies." In Robert Sakai, Studies on Asia. Lincoln: Univ. of Nebraska Press, 1963, pp. 81-99 ; W. P. Morgan, Triad societies in Hong Kong, Hong Kong Government Press, 1960, p. 25. Image : cover. Cosmorama Illustré, August 1971

O Que é a chamada Maçonaria chinesa?

Chinese 'Masonic' Society
The Alleged Chinese 'Masonic' Lodges in Australia.
Liang A-fa, a Christianised resident and citizen of China (1789-1855) printed certain ‘Christian books’ which introduced Hung Hsiu-ch’uan (1814-1864) to the European religion, and inevitably to related ‘Christian’ ideas, perhaps including fraternalism, in 1836. Hung later founded a religious and political movement which, manifesting as the Taiping Rebellion, convulsed China between 1850 and 1864. From mainland China, it has often been said, the movement’s adherents fled as political refugees known as Hung Mun to offshore havens including to Australia from where reports of ‘a new gold mountain’ were circulating. More recent scholarship disputes this claim, asserting that the bulk of migrants were deliberately brought by agents established in Australia and that this was a major function of the ‘lodges’.It has been estimated that about 20 million Chinese migrated overseas during and since the 19th century. Most worked as labourers in mining, on road construction and as farm hands and were members of what have been easily categorized as ‘secret societies’. In contrast to extensive material published on these societies in South East Asia and North America, very little has been made available with regard to their history in this country, partly because of few known primary resources. They are known to have had extensive presences in a number of Australian States.
In 1992, the Bendigo Chinese Association found a ‘Hongmen cabalistic tract’. This has now been translated. With work on gravestones, other records and surviving temple artifacts comparisons have begun of the Australian situation with the broader international one.
In addition to providing a breakthrough in research on the history of Chinese secret societies in Australia, Cai Shaoqing, scholar at Nanjing University, believes the tract ‘has important academic values and can provide explanations on many important issues.’ For example,
any Hongmen member possessing such a manuscript ‘can propogate the association.’ Whether the tract held was a transcribed copy or had been purchased or inherited, whoever ‘possessed’ it ‘could disseminate the society and become a headman.’ The author concludes that this tract was possibly the basis for the expansion of Hongmen in Australia and probably explains the society’s flourishing condition in the Bendigo area in the later part of the 19th century. 1
Not that Bendigo was a naturally receptive environment.
Carol Holdsworth, curator and researcher at the Goldfields Research Centre, Bendigo in 2006, believes that Bendigo was unusual amongst Victorian towns with Chinese ‘lodges.’ Being an extremely ‘unionised’ town, for example, the original source of the Amalgamated Miners’ Association, a trade union which also spread around the continent, Bendigo was the last amongst Victorian towns to accept Chinese involvement in cultural life. It was also the home base of the architect of legislation disenfranchising Chinese residents, the man who later became Sir John Quick.
John Fitzgerald, now at La Trobe University, disputes much of this, pointing to recent research 2. He argues that this shows that in Bendigo the white community leadership worked closely with the Chinese community to ensure continuous participation in local affairs, though not always without tension. Holdsworth argues that a number of friendly societies objected and withdrew their support in the late 1870’s when local authorities gave the Chinese ‘lodge’ money to participate in community events but none to them.Fitzgerald believes there is no evidence that Chinese ‘lodges’ subsequently started calling themselves ‘Masonic’ to ward off racist attacks. The newly-opened archives of NSW’s United Grand Lodge are providing insights into connections between Freemasonry and the Yee Hing networks in late 19th and early 20th century Sydney 3. However, the label ‘Masonic’ remains problematic. Fitzgerald suggests it was more likely a case of ‘uneducated country folk’ attempting to attain a cloak of greater respectability by adopting the name, with no attempt made to formalize a connection with official Freemasonry.
The Hongmen Tiandihui was more accurately a fraternal mutual benefit society utilizing the distinguishing features of oaths, secret ritual and regalia, all directed at obligating members to help one another especially at times of hardship and calamity. I am tempted to refer to it as a Friendly Society of the ANA kind, because it had explicitly political objectives.
As Cai Shaoqing has it:
The numerous Chinese labourers were away from home, helpless and isolated. They joined the Hongmen as sworn brothers for mutual support to protect their livelihood and mutual interests, and to counter racist discrimination and mistreatment by the colonial government and the white colonialists. 4
This author describes three stages in the society’s development. The first, from 1851 to 1875, was, roughly, the period of arrival, establishment and expansion. Cai Shaoqing deduces around half the Chinese population in the country were members. From 1875 to 1900, all Chinese were harshly treated and the Society was inactive or very circumspect. Many Chinese moved to the cities and took up other occupations. The third stage, 1901 to 1921 was marked by rising Chinese nationalism and transformation of the Society into a social and political force. Its organisation actively opposed the ‘White Australia’ policy, set up a newspaper and agitated for the establishment of a Chinese Consulate in Sydney. It was in this period that Clubs were established and the title ‘Masonic’ adopted.It is certainly the case, that the Bendigo and the British Columbian ‘Rules’ (above) vary greatly from one another and that neither show any resemblance to, or any textual connection with, official Freemasonry.Another disputed assertion is that unlike their countrymen in other countries, the Chinese in Australia were culturally homogeneous and inter-racial battles between ‘lodges’ were rare. One widely acknowledged exception was a fierce armed conflict in Melbourne in 1904 between Hongmen and the Bao Liang Society over opium and gambling interests, after which the Bao Liang lost credibility and dissolved around 1912. 5 In his recent book, Chinese Lodges in Australia, the Bendigo tract’s translator, Kok Hu Jin has concluded: firstly, that the overseas pursuit of gold had to be a group enterprise, involving mutual dependency and support; second, that lodges generally reflected pre-migration bonds and associations, and thirdly, that each lodge maintained its own temple for the local membership, and was directly involved in sponsorship of more immigrants. The temple was therefore, ‘office, headquarters, meeting place and ceremonial centre.’His research approach exposes clear similarities to fraternals drawn from Europe, and thus suggests paths not yet pursued by scholars of those lodges. For example:
Many artefacts…identify the lodges with which the temple followers who donated them were affiliated. In turn, one may then trace links, whether of common geographic origin, ancestry, clan or language, between groups of immigrants scattered far and wide around the Australian continent. 6
Dr Kok Hu Jin sets out the various names under which the Hung League family of brotherhood associations have been known – ‘the Heaven and Earth Society’, ‘the Heaven-Earth-League’, ‘the Three United Society (Heaven, Earth, Man)’ and the ‘Triad Society of Heaven and Earth Society.’ Thus, after the British Government ordered the breaking up of the Society on the Malay Peninsular in the late 19th century, some surviving factions went underground and degenerated into gangsterism, the now dreaded ‘triads’.He believes that it was Sun Yat Sen, 20th century nationalist and republican, who undertook from mainland China the reorganization of the Hungmen which resulted in the adoption of the label ‘Masonic’ in Australia, and presumably elsewhere. Fitzgerald finds this connection unlikely, especially for Australia. Interestingly, Dr Sun’s emblem, adopted by the Nationalists in China, was a 12-rayed rising sun, and in the North American case, researchers have claimed that
At the turn of the century Sun Yat-Sen obtained considerable financial support from chapters of the ‘Chih-kung T’ang in North America. In San Francisco over 2,000,000 dollars in revolutionary currency was printed. In British Columbia the chapters mortgaged their buildings to raise money for the republican cause’. 7
all of which suggests there is more to be learnt about the local scene.In 2003, an article to the London-based Masonic research journal, AQC, reported that
In 1935, Masonic Brother Clive Loch Hughes-Hallett, an Englishman living in Melbourne, sought expressions of interest in surveying the ritual of the Hung, or Heaven and Earth Society with some esoterically minded Masons in the Victorian Lodge of Research No 218 (VC). 8
A one-time ABC radio announcer and artillery officer, Hughes-Hallet, had, it seems in 1937, gathered a small group of Royal Arch Masons to, in his words, ‘investigate the history, teachings and rituals of the Chinese Triad Society.’ From this statement by the convenor himself, it can be guessed that none if any of the actual history of the Hungmen in Australia was known at this time, and that Hughes-Hallet, for idealistic rather than informed reasons, had assumed that a clear connection existed between Chinese Triadism and formal Freemasonry as practiced in England and Australia. Another of the group wrote to NSW’s Grand Secretary in November, 1947 about long-term intentions:
…the regeneration of a very old society, which under political pressure had fallen on hard days, to a place and function in Asiatic life in some measure resembling that of the Craft today, is work which only freemasons can do…
Believing that the originating society and ritual were much older than the time of Hung Hsiu Ch’uan, the group had attempted ’re-constitution’ of what they believed were only fragments of the original ritual, then had carried out demonstrations and set up ‘lodges’ chartered from an ‘Australasian Provincial Grand Lodge’ in both Victoria and NSW, last meetings of which had occurred by 1948. It appears Hughes-Hallett himself became absorbed into ‘mainstream’ Freemasonry and the Communist takeover in 1949 of China made any return there impossible.
The Australian version of ‘their’ ritual had as ‘officers’ - ‘Five Founders…each styled Provincial Grand Master’, one for each continent’, a ‘Commander-in-Chief’ called ‘Wan Yun Lung’ and ceremonial involving ‘crossing the bridge.’ For what it’s worth, newspaper reports of Chinese participation in, for example, the Beechworth (Vic) Festival from 1872, included ranked ‘officers’:
Chief of the LiteratiChief of the Second LiteratiChief of the Third LiteratiSecond of the LiteratiThird of the Highest RankMembers of the Imperial Academy 9
A Beechworth vegetable merchant, Fun Ho, at the time wrote a letter home:
…In place of honour the children of the sun…appeared, preceded by their standards. First came the members of the colleges, and those who had served in the armies of the Emperor, arrayed in costumes as prescribed by the great Imperial Court; the braves wore their tails coiled, as if about to enter into battle; the men of peace allowed theirs to flow behind; next came the mandarins of the various Orders, and last…came Fun Ho, with his tail trailing gracefully at his heels, like that of a fat sheep of Manchuria… 10
As the Taiping Rebellion had failed it may be reasonable to suppose that some overseas Chinese parading and representing their nation would be guided by imperial rules rather than by fleeing political rebels so perhaps only ‘loyalists’ marched, Hungmen members remaining aloof. Fitzgerald believes that the truth is more likely that these civic parades, for the Chinese, were about having fun, in particular, mimicking and often mocking the pomp and ceremony of Imperial displays. Many questions clearly remain.
Further information is at:A series of books including the Bendigo tract’s translation by Kok Hu Jin and his Chinese Lodges in Australia, Golden Dragon Museum, Bendigo, 2005;CF Yong, The New Gold Mountain, and JSM Ward, The Hung Society.
1. Cai Shaoqing, ‘Analysing Chinese Secret Societies in Australia’, translation made available to Goldfields Research Centre, June 2000.
2. A Rasmussen, ‘Networks and Negotiations: Bendigo’s Chinese and the Easter Fair’, Jnl of Australian Colonial History, 6 (2004): pp.79-92.
3. J Fitzgerald, Abstract to ‘Politics and Networks in the Transition from Rural to Urban Organisation of the Hung League of Colonial and Federation Australia’, Paper to CSAA Conference, Bendigo, 2005.
4. Cai Shaoqing, 2000, as above, p.7.
5. Cao Shaoqing, pps.8-10.
6. Kok Hu Jin, Chinese Lodges in Australia, Golden Dragon Museum, Bendigo, 2005, p.10.
7. S Lyman, W Willmott, B Ho, ‘Rules of a Chinese Secret Society in British Columbia’, Bulletin of the School of Orental and African Studies, Uni of London, Vol 27, No 3 (1964), pp.530-539.
8. G Love & N Morse, ‘The Re-Formed Triad League’, AQC, 2003, p.248.
9. Ovens and Murray Advertiser, 5 Nov, 1873.
10. Letter at Goldfields Research Centre, Bendigo captioned ‘From Fun Ho, vegetable merchant…dated 11 November, 1872.’

Subsídio para História da Maçonaria em Macau



A história da Maçonaria, em Macau, tem início oficial e formal em 1909 ano em que a “Loja Luís de Camões II” sob a égide do GOL ergueu Colunas.
Segundo o historiador Oliveira Marques, a “Loja Luís de Camões”, resultou da instalação anterior de um triângulo do REAA, da iniciativa da loja “Pró Veritate” de Coimbra, com o Nº.90. Todavia a história da Ordem em Macau remonta a mais de um século antes do início regular de actividades da “Loja Luís de Camões”.
De facto, a data apontada para a Chegada da Maçonaria A Macau é a segunda metade do ano de 1759, com a vinda do navio “Prince Carl” da Companhia Sueca das Índias Orientais.
Os maçons que aportaram nesse navio traziam uma carta patente que lhes permitia reunirem-se em loja em qualquer porto a que atracassem. E assim o fizeram.
Segundo relatos históricos subscritos e publicados, nomeadamente, pelo Zetland Hall de Hong Kong, essa primeira loja laborou em Cantão, na China.
Embora aceitando tal informação como boa, atribuindo a Cantão o primeiro local de labor maçónico regular no Extremo Oriente, parece-nos que a história oficial (de fontes inglesas) contém uma omissão que deve de ser corrigida.
Efectivamente, ainda que não se conheçam documentos comprovativos, tudo leva a crer que a tal loja constituída por comerciantes e marinheiros suecos, não só funcionou, como poderá mesmo ter funcionado antes, em Macau. Isto pelos seguintes factos:
Primeiro, porque todos os navios estrangeiros que demandavam à China, nessa época, tinham que, obrigatoriamente, aportar inicialmente, a Macau, local onde aguardavam, por vezes muitos meses, autorização para entrar no porto da vizinha capital da província de Cantão.
Emblema da “Companhia Sueca das Índias Orientais, a que pertencia o navio “Prince Carl”, a bordo do qual viajavam maçons autorizados por “carta patente”, a reunir em loja em qualquer porto onde aportassem.

Segundo, porque todos os estrangeiros autorizados a comerciar em Cantão apenas ali podiam permanecer metade do ano, passando a outra metade em Macau.
Tendo em conta o que se disse parecem restar poucas dúvidas de que Macau foi o primeiro porto de acolhimento da Maçonaria na China, “malgré tout”.
Nesta ordem de ideias pode afirmar-se com algum grau de segurança que a Loja “Amity” com o número 407 que consta da lista de oficinas pertencentes à "Primeira Grande Loja de Inglaterra" do ano de 1768, funcionou de facto em Macau.
As actividades desta loja Estão escassamente documentadas, sabendo-se apenas que cessou a sua existência em 1812, por falta de pagamento do dízimo regularmente devido à loja mãe de Inglaterra.
Acresce ainda dizer que um interessado (Mike Earn, 4104), nos fez chegar a informação de que existe uma obra publicada no início do século XX, ou finais do século XIX, denominada “ Free Masonry In China”, em que o autor afirma que a referida loja, reunia de facto em Macau (no entanto até agora ainda não conseguimos descobrir nos alfarrabistas e bibliotecas tal obra.
A “Amity” deixa de surgir na lista das lojas da “Premiere Grand Lodje of England” na referida data de 1812, não se sabendo, ao certo porquê.
Depois da "Amity", não se conhece qualquer documento, ou fonte segura que refira a existência de qualquer outra loja, ou triângulo em Macau, durante a primeira metade do século XIX.
Existe, todavia notícia de que obreiros, provavelmente de origem americana se reuniam regularmente numa oficina pertencente à "Grande Loja do Alabama". Não se sabe no entanto em que época do século XIX tal loja operou, quando ergueu, ou quando abateu colunas.
A ausência de documentos explícitos, ou oficiais oculta a existência regular da Maçonaria em Macau, durante esse período. Todavia tal facto não significa que a Maçonaria organizada tenha estado ausente da vida do território.

Bocage e a Sociedade da Rosa

De facto se não se pode falar de Maçonaria na acepção formal, pode falar-se de maçons que viveram e trabalharam em Macau, desde pelo menos a segunda metade do século XVIII, deixando, algumas marcas relevantes da sua passagem.
Manuel Maria Barbosa du Bocage, o célebre sonetista foi um deles. A propósito da sua figura podemos dizer que teria mesmo introduzido, ou pelo menos integrado durante a sua passagem pelo território, uma denominada “Sociedade da Rosa”, instituição andrógina para-maçónica, que tinha como grã-mestra a poetisa portuguesa Marquesa d'Alorna.
“A Sociedade da Rosa” seria desmantelada pelo intendente Pina Manique, que apreendeu os documentos da organização, que se encontravam na posse da Marquesa no seu palácio de Benfica, então arredores de Lisboa.




A ofensiva do célebre intendente da polícia de D. Maria I, levou ao exílio a Marquesa e à prisão vários elementos da sociedade, entre os quais se contavam, para além de Bocage, o compositor João Domingos Bontempo, para além de outras personalidades das artes e das letras da época.
À “Sociedade da Rosa” pertencia também o poeta de origem brasileira, Lucas José de Alvarenga, que foi por duas vezes governador de Macau e que era um protegido do Conde de Sarzedas. Este aristocrata da alta nobreza pertencia também à mesma sociedade e tal como a Marquesa de Alorna sofreria as consequências.
Alorna foi exilada para Inglaterra. Sarzedas, cujo prestígio e influência era demasiado grande para ser pura e simplesmente expulso foi abrigado a aceitar o governo da Índia (uma forma de o afastar para longe de Lisboa por muitos e bons anos) ainda que esse exílio fosse politicamente dourado com a concessão do título de vice rei, que já não era utilizado há muito e que episodicamente com ele foi retomado
Neste ponto convém esclarecer que em Macau o principal protector de Bocage foi Lázaro da Silva ferreira o Ouvidor da cidade. Esta figura conquanto não existam documentos probatórios parece ter sido igualmente maçom.

A Maçonaria e o Liberalismo

Após um hiato de cerca de duas décadas, a palavra Maçonaria irromperia a público em Macau, cerca do ano de 1821.
Seria então que, os ecos da revolução liberal portuguesa de 1820, chegariam a Macau, fazendo submergir o Território numa profunda crise política, agravando por seu turno a crise económica em que o Território se encontrava já mergulhado, desde as três, ou quatro décadas anteriores.
Sem pretender historiografar detalhadamente a época, pode dizer-se de uma forma sintética que Macau se dividiu em dois partidos.
Um constituído pelas forças institucionais civis e militares ligadas ao governo português do Território.
O outro constituído por figuras locais congregadas em torno do Leal Senado e da Santa Casa da Misericórdia, agregando também figuras civis militares e eclesiásticas descontentes com o governo vigente, que, diga-se, dadas as reduzidas dimensões da comunidade, não eram outras senão o governador e o juiz de direito (este que na altura era oficialmente designado por ouvidor e cujas competências excediam largamente as de um magistrado ordinário).
A crise redundou numa sucessão de distúrbios que levaram à detenção do governador e do ouvidor, bem como à destituição da antiga vereação do Leal Senado e convocação de eleições que produziram uma câmara municipal que, em nome do liberalismo, suspendeu todas as relações com o governo de Goa (a que Macau estava submetido) transformando durante cerca de um ano Macau numa república virtualmente independente.
Surgiam amiúde referências públicas à acção “nefasta” da Maçonaria em Macau, em papeis volantes distribuídos nas ruas, mas também na oratória eclesiástica do Bispo da Diocese D. Frei Francisco de Nossa Senhora da Luz Chacim e dos párocos que consigo estavam na defesa dos poderes instituídos.
Nesse contexto dir-se-ia que de um lado estava o Bispo, o Ouvidor e o Governador e do outro os “malfadados” pedreiros livres. Todavia tal asserção simplista estava longe de corresponder à verdade.
Se nada se sabe sobre qualquer eventual filiação maçónica dos rebeldes “independentistas” do Leal Senado e da Santa Casa, capitaneados pelo tenente-coronel Paulino da Silva Barbosa, sabe-se de facto que o governador José Osório de Castro Cabral e Albuquerque, tido como reaccionário relapso e por isso preso e enviado para Goa a ferros talvez o não fosse tanto assim.
De facto, consultando a documentação existente verifica-se que o governador Albuquerque, aliado do Bispo Chacim é que era de facto maçon. Albuquerque, que tinha o nome simbólico de “Leónidas”, ascenderia nos graus filosóficos da ordem em Portugal, nas lojas “Audácia” de Coimbra e “Firmeza” de Lisboa. No mundo profano ficaria destacado como redactor do periódico conservador “Rei e Ordem”, terminando a sua carreira militar como fidalgo da Casa Real e tenente-general do exército. Com ele, em Macau estavam o comerciante macaense, Gonçalves Serva entre outros.
No campo liberal conhece-se apenas como maçom, o nome de António de Holanda Cavalcanti, preso pela pelos absolutistas, na sequência do desembarque de uma força naval comandada pelo capitão de mar e guerra Garcez Palha, que acabou com a revolta municipal de Macau e repôs a velha ordem em Macau, em 1822. Cavalcanti, figura que se destacaria posteriormente no Brasil como deputado e ministro sobraçando diversas pastas, teve o encargo de representar o “Grande Oriente de Portugal” junto da Maçonaria Brasileira, em 1858.
Face ao que ficou dito não podem restar dúvidas sobre a importância e influência da Maçonaria em Macau na década de vinte do século XIX.
Apesar das bulas papais condenatórias, dos sermões inflamados do Bispo diocesano e dos papéis volantes contra os pedreiros livres, certo é que a Maçonaria estava dos dois lados. Falta saber se actuava regularmente em lojas separadas consoante o pendor ideológico, se, se cindiu durante a crise, ou se a militância ideológica profana que separava liberais e conservadores correspondia no seio da Ordem a diferentes obediências.
Neste ponto há que salientar que a “Abelha da China” periódico porta-voz dos liberais surge com regularidade contendo artigos laudatórios das excelências políticas e sociais dos Estados Unidos da América.
Esse facto poderia sugerir uma ligação de índole maçónica à América. Isto tanto mais quanto se tiver em conta o facto da presença americana em Macau, nesses tempos ser expressiva e a possibilidade (bastante forte) de uma loja do Alabama ter funcionado no Território nessa época.
Porém e por enquanto, tal asserção não passa ainda de pura especulação que necessita investigação ulterior mais apurada, nomeadamente nos arquivos da Maçonaria americana.

Uma “Loja Luís de Camões” antes da “Loja Luís de Camões”?

Consumada a reocupação absolutista de Macau em 1822 e concluída a normalização política liberal nos anos subsequentes ao termo da guerra civil portuguesa (1834) verifica-se que os governadores de Macau seguintes a Adrião Acácio da Silveira Pinto (com ele incluído) seriam quase todos (senão mesmo todos, diríamos!) maçons.
Apesar dessa constatação porém, nada consta oficialmente, sobre a operância institucional da Maçonaria em Macau
Apenas na segunda metade do século XIX existe notícia de que uma loja denominada “Luís de Camões” teria erguido colunas em 1872, sob a égide da “Loja Lusitânia”, fundada em Londres, na primeira década do século XIX por emigrantes portugueses. A referida “Lusitânia”, foi reconhecida pela “Grande Loja de Inglaterra”, recebendo um número de ordem. Sobre a existência de tal oficina nada sabemos. Todavia não será despiciendo recordar que à data pontificava em Macau, António Alexandrino de Melo, segundo barão do Cercal. Esta figura macaense cosmopolita e poliglota (falava, fluentemente inglês, francês, italiano e chinês). Licenciou-se em engenharia em Inglaterra, e posteriormente cursou belas artes em Itália. Em Macau foi autor de alguns dos edifícios que ainda hoje marcam a silhueta da cidade, nomeadamente o Palácio da Praia Grande, Cemitério de S. Miguel, Quartel dos Mouros e Clube Militar. Este último inaugurado em 1871, possui, se assim se quiser entender arquétipos maçónicos na sua estrutura, nomeadamente na actual sala de estar que ostenta duas colunas embutidas na parede à direita. Teria sido António Alexandrino de Melo o instaurador da desconhecida loja “Luís de Camões”? Não se sabe, mas apenas se pode inferir.
António Alexandrino de Melo, arquitecto de alguns monumentos mais representativos do século XIX macaense. Poderá descobrir-se no seu traço uma filiação maçónica indiscutível?

Concluído este parêntesis obscuro surge o momento de sublinhar que apesar da pressão da Igreja Católica e dos poderes instituídos sobre a Maçonaria, certo é que se verifica que a maior parte dos governadores, altos e médios funcionários do governo de Macau foram maçons, principalmente a partir da década de trinta do século XIX. Podemos citar, entre outros, Adrião Acácio da Silveira Pinto, Lobo de Ávila, Conselheiro Borja e outros mais que irrompem pelo século XX.

Maçons do Século XX

No século XX surge a História, indubitável, sem lacunas nem “setentriões”. A loja “Luís de Camões” ergue colunas, em 1909.
E quem foram os obreiros dessa tarefa que iria laborar intensamente ao longo de 32 extraordinários anos de Macau?
Alguns escolhidos o foram! Porém há que render homenagem aos pioneiros conhecidos, alguns dos quais a história maçónica pouco liga e a história de Portugal por inteiro oblitera.
O primeiro é sem dúvida Constâncio José da Silva.
Nascido em Xangai, onde morreria, Constâncio José da Silva terá sido o principal obreiro que ajudou a erguer as colunas à força de ombros no mundo reservado da Ordem e que no universo profano as consolidava batalhando com a sua pena inquieta nos jornais que fundava e dirigia pela liberdade, igualdade e fraternidade em Macau.
A loja “Luís de Camões”, se não lhe deve a fundação, pelo menos lhe deve a consolidação.
Juntamente com Constâncio, surgem, metendo ombros à obra nomes de renome, local e também sonantes no mundo lusófono.
Rosa Duque seria um, Camilo Pessanha outro.
O primeiro, sargento da Rotunda no 5 de Outubro de 1910, desterrado para o então ultramar português, ver-se-ia destituído de méritos militares pela política pós republicana, tendo que perfazer o trajecto de Angola a Macau para recuperar aqui, não só as divisas de sargento perdidas, mas o merecimento do posto de capitão pelo qual, “João Afonso” (nome simbólico do republicano governador de Macau, Carlos da Maia), não teve medo de interceder junto das instâncias de Lisboa para o restituir à dignidade militar perdida, tão constante “obreiro” que, morreria com a sua loja em Macau nos alvores dos anos trinta do século passado, quando a Maçonaria estava em vias de ser ilegalizada pela ditadura do “Estado Novo”, expressando em letra de forma no jornal “O Combate” que dirigia a sua alta condição de Cavaleiro Rosa Cruz, grau 33 do REAA.
Camilo Pessanha, o poeta paradigmático do simbolismo português foi outro companheiro que meteu ombros à tarefa da Ordem e só esmoreceu quando feito “Cavaleiro do Oriente e do Ocidente” (grau 17) a morte nefelibata lhe sobreveio em 1926 (pouco ante de deixar este mundo seria elevado ao grau 19).
Outro ainda foi D. José da Costa Nunes, Bispo de Macau, Patriarca das Índias e Camarlengo da Santa Sé. Figura de projecção ecuménica. Optou pela condição de “absência” preferindo queimar, antes de morrer, todos os documentos que lhe relatavam a vida a deixar-se biografar, por quem quer que fosse.
Vicente Jorge, tradutor insigne, coleccionador de arte em porcelana chinesa foi ainda nome que meteu ombros à tarefa de “polir a pedra bruta”, com tanto merecimento quanto pouca paga da história.

Um maçon macaense pilar da ponte republicana entre Portugal e a China

No entanto de entre todos os mencionados e outros que ficaram por mencionar neste resumido trabalho, um nome se releva acima de todos os outros, não pelo que se saiba dele, mas sim pelo que não se sabe.
Não porque tenha publicado obra (dele conhecem-se apenas traduções anónimas de actas de tribunais de Hong Kong e traduções de ofícios da Repartição dos Assuntos Chineses de Macau), para além de artigos de nos jornais que dirigiu.
Não porque tenha deixado marca na vida social ou política de Macau, (foi vereador do Leal Senado durante um mandato e nas actas nada consta que tenha dito durante esse período de vida pública de relevante memória).
A sua vida, tal como o seu grau na Ordem constitui, um dos mais paradigmáticos mistérios da Maçonaria em Macau e também da história profana.
O seu nome consta de uma rua de Macau no NAPE, todavia quem sabe porque lhe foi dado nome de rua se não consta da galeria de pessoas ilustres de Macau e apenas é citado “en passant” nas monumentais obras de Monsenhor Manuel Teixeira, que publicou mais de cem livros, constando que neles não deixou de fora nem nome, nem coisa, nem acto nem omissão dos últimos quatrocentos anos de Macau sobre os quais é possível fazer história.
Chamava-se Francisco Hermenegildo Fernandes e merece ser lembrado no seio da Ordem e no mundo profano. Diria que esse irmão foi um seguidor do Tao, já que pelo não fazer influiu de forma indelével nos caminhos da história contemporânea de Macau e principalmente da China.
Como e até que ponto influiu não se pode saber. È, um mistério.
Um mistério tão insondável como o facto de dele não constar uma única fotografia, nem na campa do cemitério de S. Miguel, onde repousa, nem nos arquivos de identificação do Governo.
A sua biografia encontra-se resumida apenas, no Arquivo Histórico de Macau num processo constante de cinco folhas A4 datilografadas, como segue:
Francisco Hermenegildo Fernandes, nascido a 2 de Fevereiro de 1863. Intérprete no Supremo Tribunal de Hong Kong de 1886 a 87. Fluente em inglês, português (naturalmente) e dominador de diversos dialectos chineses, nomeadamente cantonense e mandarim.
Foi o primeiro classificado com 16 valores na admissão ao quadro de “língua da Repartição dos Assuntos Sínicos de Macau, lugar para que foi nomeado em Agosto de 1919.
Tudo isto frio, como todos os processos burocráticos das repartições do estado. Mas para além dos ofícios esconde-se a figura invulgar que foge à burocracia e aos estereótipos.
De facto, Francisco Fernandes, foi em Macau o principal apoio das correntes que procuravam restituir a China à dignidade, derrubando uma dinastia corrupta e despótica que cedia à partilha das potências coloniais que a procuravam talhar em esferas de influência, que inevitavelmente a retalhariam em nações artificias tal como tinham retalhado África na conferência de Berlim de 1884.
Nesse contexto Francisco Fernandes, gerente da tipografia do Pai, Nicolau Tolentino, dá abrigo a Sun Yat-sen nas páginas do seu jornal, “O Echo Macaense” que publicava em português e simultaneamente em chinês sob o título “Ching Hai Iat Pou”.
O encontro entre os dois dura, pelo menos, uma década, entre Macau e Hong Kong, até ao fatídico ano de 1895.
Sun Yat -sen, abandona no ano anterior Macau estabelecendo-se em Cantão a fim de preparar a revolta contra a ditadura imperial “manchu”. Mas a revolta falha redondamente. Sun Yat-sen escapa por um “triz” de ser decapitado, tal como o foram dezenas dos seus correligionários.
Foge para Macau numa cadeirinha, disfarçado de mulher e encontra um único abrigo. A casa de Francisco Fernandes.
Por seu turno Francisco Fernandes usando de todas as influências que possui consegue que o governador Horta e Costa, faça vista grossa à presença em Macau do perigoso revolucionário, mas instrua a polícia no sentido de responder aos pedidos de captura do Vice Rei de Cantão afirmando desconhecer que o procurado se encontrasse no Território. O caso não foi simples, já que a polícia imperial de Cantão actuava oficiosamente em Macau e sabia muito bem que Sun Yat-sen se encontrava na cidade. Porém, o desconhecimento oficial do governo e da polícia macaense constituía uma barreira inacessível que se entrepunha entre o totalitarismo “manchu” e os mecanismos judiciais independentes em vigor em Macau. E foi assim que Francisco Fernandes, conseguiu manter escondido o seu amigo Sun, em Macau, o tempo suficiente para lhe arranjar passagem num junco de pescadores para Hong Kong e dali para o Japão onde ficaria a salvo da sanha imperial.
Nos dezasseis anos seguintes, Francisco Fernandes e Sun Yat Sen não se voltariam a ver. Mas em 1911, Francisco Fernandes, logo após a revolução republicana da China escreve a Sun Yat-sen, felicitando-o pela sua elevação a Presidente da República inquirindo-o sobre se pertence a “ essa fraternidade universal (Maçonaria) e em caso afirmativo, qual a melhor forma de consigo comunicar”. Essa carta consta dos arquivos de Pequim e é datada de Macau, aos 11 de Janeiro de 1912, constituindo documento original e indesmentível. Francisco Fernandes era maçon e possuiria poucas dúvidas de que Sun Yat-sen o fosse também.
A resposta de Sun Yat-sen à carta de Francisco Fernandes não se conhece.
Constará dos arquivos de Pequim, não constará? Talvez sim talvez não...ou talvez não convenha divulgar a resposta.
Posteriormente, Francisco Fernandes demonstra continuar a dispensar apoio a Sun Yat-sen através do recrutamento em Macau de voluntários para integrar as forças militares do líder republicano que visava reunificar a China dividida pelos senhores da guerra. Essa carta manuscrita por Francisco Fernandes tem a data de 19 de Janeiro de 1919.
Seja como for, certo é que o quase anónimo, Francisco Fernandes viria a ser proposto num dos primeiros actos de estado de Sun Yat-sen como (na sequência da revolta vitoriosa de 1911) para ocupar o cargo “ad honorem” de ministro da China. Diz-se que Francisco Fernandes não aceitou tal honra preferindo manter-se no seu pequeno anonimato de Macau.
Em finais de 1912, Sun Yat-sen, resignou do cargo de Presidente da República em favor de Yuan Chi Kay, retirando-se, provisoriamente da ribalta politica para umas férias de saudade na sua província natal.
Foi então que regressou à Macau da sua juventude em Junho de 1913. Foi então também que reencontrou o seu amigo Francisco Fernandes.
Uma fotografia oficial da ocasião mostra Sun Yat-sen no jardim de Lou Kao sentado em pose e tendo à sua volta em duas filas a gente grada da cidade, entre as quais se contam alguns maçons (destacadamente Camilo Pessanha).
Outra fotografia exibe o presidente cessante no hospital de Kiang Wu, Para além das fotos sabe-se que Sun Yat-sen assistiu a um arraial junto à Igreja de S. Lázaro (provavelmente no dia 24) com a comunidade portuguesa de Macau que tão mal o tinha tratado, nos tempos em que exerceu medicina na colónia, nos idos da década de 80 do século XIX e em que acabou por ser expulso, por motivos étnicos escondidos sob a capa legalista de que não possuía um diploma de medicina passado por uma universidade portuguesa. Sun Yat-sen licenciou-se pela Escola Médica de Hong Kong). Mas para além das crónicas e das fotografias oficiais sabe-se de tradição passada de boca em boca que Sun Yat-sen terá sido recebido como visitante na “Loja Luís de Camões” durante os curtos dias de visita que efectuou a Macau nesse distante Junho de 1913.
Quanto à possibilidade de Sun Yat-sen ter sido iniciado na “Loja Luís de Camões”, tal hipótese parece-nos fora de causa.
Segundo alguns investigadores, nomeadamente Sterling Seagrave, Sun Yat-sen pertencia à sociedade chinesa “Céu e Terra” vulgarmente conhecida por “Tríade” em que foi iniciado na sua terra natal de Cheong San, depois de concluídos os seus estudos secundários no Havai e decidiu regressar à China. Posteriormente, é um facto ligou-se directa, ou indirectamente a outras associações secretas de índole exclusivamente chinesa
Todavia que Sun Yat-sen foi iniciado na Maçonaria, é outro ponto que não deixa dúvidas, mas sobre essa questão apenas poderíamos interrogar o maçon, James Manson, professor da Escola Médica de Hong Kong, que biografou Sun Yat-sen, mas que nada deixou dito em linhas ou entrelinhas sobre a sua faceta esotérica.
Independentemente das dúvidas sobre a filiação de Sun Yat-sen, nesta ou naquela obediência, nesta ou naquela loja, estamos convencidos de que se os responsáveis pelos arquivos da Grande Loja de Inglaterra puderem ultrapassar constrangimentos de ordem política, ou questões de oportunidade, ficaremos a saber, então qual a loja que iniciou o primeiro presidente da República da China.
Relativamente a Francisco Fernandes, apesar de todos os esforços de investigação, do facto de possuir um jornal, ter escrito inúmeros artigos, ter sido alvo de processos judiciais que constam dos arquivo de Macau, ter integrado o Leal Senado como vereador e ter sido juiz de paz, uma espessa nuvem de mistério continua a pairar sobre ele.
Concluído este parêntesis sobre maçons ilustres resta apenas recordar a figura de Herman Machado Monteiro, o último obreiro da Loja Luís de Camões cuja biografia poderia iluminar a “obra da Ordem” em Macau, se do seu espólio privado tivesse restado alguma coisa. Porém, parece que a tão famigerada “formiga branca” esperava apenas o abater de colunas da “Loja Luís de Camões”, para destruir até à medula os fragmentos de uma história recente ingloriamente perecida.
Resta ainda referir alguns maçons do século XX que se destacaram e foram reconhecidos por isso.
Rodrigo Rodrigues, governador de Macau, ministro em vários governos da República, que dá nome a uma avenida da cidade.
Travassos Valdez oficial de marinha, autor de diversos livros e cidadão benemérito de Macau, cujo retracto se encontra na sala de sessões do antigo Leal Senado.
Carlos da Maia, governador e fundador da República.
Maia Magalhães, Governador de Macau e herói de Chaves nas lutas contra a reacção monárquica de Paiva Couceiro.
Velhinho Correia, secretário-geral do governo de Macau, deputado por Macau em Lisboa e ministros em vários governos da República.
Joaquim José Machado que participou nas conferências sobre a delimitação de Macau (1909-1910).
Artigo da autoria de João Guedes, jornalista e investigador.